DISPUTAS TERRITORIAIS CAMPONESAS: AS EXPERIÊNCIAS AGROECOLÓGICAS NO ASSENTAMENTO CUNHA EM CIDADE OCIDENTAL, GO.

May 18, 2019 | Author: Fábio Bento Cabral Castelo | Category: N/A
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DISPUTAS TERRITORIAIS CAMPONESAS: AS EXPERIÊNCIAS AGROECOLÓGICAS NO ASSENTAMENTO CUNHA EM CIDADE OCIDENTAL, GO. Edson Batista da Silva UEG, [email protected] Manoel Calaça UFG, [email protected] Resumo: Este artigo tem por objetivo compreender se a luta pela conquista e produção territorial do assentamento Cunha contribuiu para a produção agroecológica. Assim como, as dificuldades causadas pelo agronegócio e as contribuições dadas pela especificidade camponesa à produção agroecológica. Para atingi-lo foram utilizadas pesquisas bibliográficas e pesquisa de campo. Os resultados apontam que a conquista da Fazenda Cunha, apropriada/dominada pelo agronegócio foi fundamental para imprimir outros usos por meio da agroecologia. Mas, a produção territorial envolveu disputas entre organizações, que resultou na disposição de limites desfavoráveis à agroecologia, realidade agravada pelo agronegócio, tanto de forma direta, com a monocultura limítrofe no município de Cristalina, quanto de modo indireto, com a determinação da política agrícola. Quanto à especificidade camponesa, está contribuiu com o conhecimento camponês e a territorialidade das famílias. Além das redes dentro do assentamento, de troca de sementes, conhecimentos, entre outras e, redes dos camponeses assentados com atores externos, que permitiram a autonomia relativa na produção dos insumos, mas os camponeses continuam submetidos ao capital comercial. Palavras chave: Território. Campesinato. Agroecologia. Agronegócio. INTRODUÇÃO Há disputas territoriais no Cerrado. Nesse sentido, a questão central desse artigo, que é parte dos resultados da pesquisa de dissertação de mestrado é analisar até que ponto a conquista e produção territorial do Assentamento Cunha, assim como a especificidade camponesa, contribuíram para a produção agroecológica no Assentamento Cunha, em Cidade Ocidental-GO. O objetivo geral foi compreender a conquista e produção territorial, assim como a especificidade camponesa, como possibilidade para a produção agroecológica no Assentamento Cunha, em Cidade Ocidental-GO. Para atingi-lo se procedeu à pesquisa bibliográfica, além da pesquisa de campo, em que foram entrevistadas sessenta e uma famílias na modalidade estruturada, com formulário previamente elaborado. Além disso, foi utilizada caderneta de campo para anotar informações, dados primários e impressões das

observações diretas a campo, além da máquina fotográfica. Também foram entrevistados, na modalidade semi-estruturada, dois líderes participantes da formação do assentamento. Na apresentação dos sujeitos pesquisados se adotou nomes fictícios para preservar sua integridade. O Assentamento Cunha se localiza no Estado de Goiás, na Microrregião do Entorno de Brasília e se constitui no único projeto de reforma agrária presente no município de Cidade Ocidental. Por hora, os resultados obtidos apontam que a conquista da terra contribui para a produção agroecológica. Mas, a produção territorial levou a uma trama territorial desfavorável à sua territorialização. Não obstante, a especificidade camponesa contribui para a adoção de princípios agroecológicos, com a retomada do conhecimento camponês. No entanto, as famílias sofrem a pressão do agronegócio limítrofe. Nesse contexto, no próximo item daremos a atenção a categorias e conceitos utilizados no trabalho, como território e campesinato. 1.

CATEGORIAS

E

CONCEITOS: ELEMENTOS TEÓRICOS

PARA

CONSTRUIR O CONCRETO PENSADO. Os questionamentos da pesquisa levaram-nos a privilegiar as concepções de território de Raffestin (1993), Saquet (2011, 2007) e Calaça; Chaveiro (2012). Isso porque Calaça; Chaveiro (2012, p. 204) concordam com a importância da disputa territorial para a análise do Cerrado, tanto que destacam: “Ao propormos pensar o Cerrado pelo prisma de um território-bioma, a tentativa é preservar o sentido da disputa territorial entre atores que usam e ocupam o Cerrado [...].” Saquet (2011) contribui quando chama a atenção dos geógrafos para a importância das temporalidades lentas, da rede local de sujeitos e a relação dela com redes extralocais, além do ator coletivo e seu programa, entre outros aspectos. Sendo que Calaça; Chaveiro (2012), também pregam a importância do arco de poder nas disputas no Cerrado, em especial os pactos, alianças, dissidências e resistências. Já Raffestin (1993, p. 07), contribui com sua definição de território: “O território [...] não poderia ser nada mais que o produto dos atores sociais. São esses atores que produzem o território.” Já Quanto ao campesinato Santos (1984) declara que ele pode ser pensado pelos elementos da especificidade camponesa, como: uso da mão-de-obra familiar, trabalho assessório, assalariado, relações de ajuda mútua, sociabilidade camponesa, concepção de autonomia do trabalho e concepção camponesa da terra. Já Woortmann

(1990) afirma que há três categorias culturais fundamentais para entender o camponês, sendo elas: terra, família e trabalho, dentro dessa tríade há relações de reciprocidade. Desse modo, chama a atenção para a dimensão subjetiva das ações camponesas. No entanto, como declara Bourdieu (1983), a subjetividade é resultado da relação entre a interioridade e a exterioridade. Nesse sentido, a análise desses autores fornece subsídios para sustentar as reflexões acerca deste ator social. Quanto ao agronegócio, segundo Leite; Medeiros (2012) o uso do termo é recente no Brasil e tem relação com o termo agribusiness, cunhado na década de 1950 pelos professores Jonh Davis e Ray Goldberg, para expressar as relações econômicas e tecnológicas entre o setor agropecuário e o industrial. A ideia era opor a análise sistêmica à setorial. Segundo os autores, no Brasil o agribusiness foi associado à agroindústria ou complexo agroindustrial; no período recente é entendido por alguns autores como a radicalização das atividades industriais em detrimento da atividade agrícola. Leite; Medeiros (2012) chamam a atenção para os aspectos econômicos, políticos, sociais e institucionais envolvidos na emergência do termo. Por isso, há um esforço de algumas instituições de construírem discursos positivos que vinculam o agronegócio ao moderno, dinâmico, produtor de divisas e fundamental para a economia nacional. Entretanto, essa construção simbólica visa esconder mazelas sociais, e disputar, no Estado, fatias maiores de recursos públicos. Já Fernandes; Welch (2008) compreendem o agronegócio como um complexo de sistemas, composto pela agricultura, pela indústria, pelo mercado e pelas finanças. O controle desse complexo é realizado pelas grandes corporações transnacionais, que domina os processos de construção do conhecimento, de elaboração de tecnologias e de políticas agrícolas. Além dessas contribuições, no trabalho utilizaremos as reflexões de Martins (2012), que defende que o agronegócio é uma aliança de classes no campo, em que entram as grandes corporações transnacionais, tanto do setor financeiro, quanto industrial, além dos empresários rurais e latifundiários amparados pelo Estado. Quanto à agroecologia, segundo Guhur; Toná (2012) há duas escolas, uma de matriz americana, que privilegia a dimensão técnica, outra de origem europeia, que se centraliza nos aspectos sociais. O Fato é que as definições de agroecologia são divergentes, há uma disputa pela definição de seu conceito. No trabalho compreendese que a agroecologia reduzida aos aspectos técnicos, se assemelha à agricultura orgânica de mercado. É importante a incorporação dos elementos político-econômicos

e culturais, em suma, a agroecologia precisa ser entendida como uma práxis fundamental para a construção consequentemente, de sociedade.

de

outro

paradigma

de

agricultura

e,

2. A CONQUISTA E PRODUÇÃO TERRITORIAL DO ASSENTAMENTO CUNHA COMO POSSIBILIDADE PARA A TERRITORIALIZAÇÃO DA AGROECOLOGIA O espaço herdado pelo Assentamento Cunha era ocupado com culturas produzidas de acordo com os interesses do agronegócio, como nos diz o senhor João: “Então..., essa área aqui, em 87 até 94, nóis plantava soja, era lavoura de soja.” O uso anterior trouxe sérios prejuízos ao meio natural, o solo foi compactado e o ecossistema local foi destruído. Mas, com o assentamento esse uso deu lugar à produção de base agroecológica. O projeto da agroecologia, contudo foi possível devido à luta camponesa contra os atores do agronegócio. Os camponeses tiveram de ocupar, acampar, resistir na terra. Com isso, as informações obtidas dão conta que das trezentas e sessenta famílias que ficaram acampadas, sessenta e duas foram assentadas no próprio local, as demais foram assentadas em outros assentamentos da microrregião do Entorno de Brasília. A obtenção do território possibilitou a territorialização da produção agroecológica. Portanto, em acordo com Molina (2009) e Altieri (2012), a conquista de terras sobre o controle do agronegócio é fundamental para a construção da agroecologia. A agricultura camponesa de base agroecológica do Assentamento Cunha nasceu da luta do campesinato pela apropriação/domínio do território do agronegócio. A conquista da terra, no entanto, implicou na produção territorial, que envolveu disputas entre organizações mediadoras camponesas e o Estado. Assim como, desencontros das famílias com as lideranças do MST, e dissidências entre líderes, que provocou a territorilização de outras agências mediadoras no assentamento. A origem do desencontro entre as famílias e os dirigentes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-terra (MST), estava na proposta de assentamento no modelo coletivo, na perspectiva de agrovila. Pois, enquanto os primeiros defendiam esse modelo, as segundas preconizavam a produção territorial em propriedades privadas, em que as práticas coletivas se consubstanciariam nas relações de ajuda mútua. Contudo, a presença da Confederação dos Trabalhadores da Agricultura

(CONTAG), historicamente vinculada ao Estado e com projeto contraposto ao do MST foi outro complicador. Mas, a territorialização do modelo coletivo esbarrou também na proposta de reforma agrária do Estado, apoiada pela CONTAG. Com isso, a superintendência regional do INCRA do Distrito Federal e Entorno adotou o projeto semicoletivo. Segundo o PR do Assentamento Cunha (2011), na demarcação original há o número de 62 parcelas, cada uma tendo 6 hectares. O restante da área ficou distribuído na área coletiva, áreas de reserva legal, de preservação permanente e o espaço comunitário. O intuito do MST, com a formação do assentamento no modelo coletivo era viabilizar a produção agroecológica. Segundo as famílias, com isso teriam maior controle dos insumos e dos canais de comercialização, o que viabilizaria decisões coletivas na produção e permitiria a integração das atividades produtivas. Molina (2009) afirma que a propriedade privada viabiliza a criação apenas da produção orgânica. Segundo ele é preciso lutar em defesa de territórios agroecológicos amplos. No Assentamento Cunha as assentados precisam comprar adubos orgânicos, muitos tentaram a integração lavoura/pecuária nas parcelas individuais. Mas com uma área diminuta o gado evade e entra em outras parcelas. Com isso, vende o rebanho, o que resulta em perdas do adubo, importante para a produção agroecológica. No entanto, outro complicador para a produção agroecológica é o agronegócio limítrofe ao assentamento. O senhor Manuel destaca: Na agroecologia nóis temo um problema seríssimo com a mosca branca. Do outro lado do rio São Bartolomeu já é Cristalina, lá tem os pivôs de soja, milho e sorgo, irrigado. Eles produz no sistema de rotação e usa muito agrotóxico. Eles pulveriza com avião. Então, quando eles bate lá, os inseto vêm tudo pras parcela. O pessoal tá perdeno todas as safra de feijão por causa da mosca branca, tem gente aí que prantô muito feijão e num colheu quase nada.

O limite do Assentamento Cunha com o agronegócio territorializado no município de Cristalina, tem como única barreira o Rio São Bartolomeu, o que acarreta na migração das “espécies-praga”, no deslocamento de agrotóxico para o assentamento, além da contaminação e apropriação dos recursos hídricos. Como afirma Altieri (2012), a coexistência da produção realizada pelo agronegócio, com aquela pensada a partir de princípios e conceitos da agroecologia se revela impossível. O agronegócio atua diretamente na produção territorial do Assentamento Cunha, com

sérios malefícios para a produção agroecológica. No próximo item o debate se concentra na especificidade camponesa como possibilidade para a produção agroecológica. 3.

A ESPECIFICIDADE CAMPONESA COMO POSSIBILIDADE PARA PRODUÇÃO AGROECOLÓGICA Segundo Chayanov (1974), a presença da força de trabalho familiar é central

na produção camponesa. Nela a atribuição das atividades é mediada também pelo gênero. No Assentamento Cunha, de acordo gráfico 1 nota-se a característica patriarcal das famílias. Mas, na falta de braços masculinos as mulheres se dedicam ao cuidado da lavoura e das criações de animais, há essa realidade em quatro parcelas. Mas, há sinais de mudanças do patriarcado em curso, em dezesseis núcleos familiares se discutem e se tomam decisões coletivas. Nesse sentido, na agroecologia uma das questões centrais é a ampliação do protagonismo feminino. No Assentamento Cunha há mudança no habitus de classe do camponês, embora ainda predomine características da sociedade patriarcal. Gráfico 1 – Município de Cidade Ocidental - Assentamento Cunha – Realização de diferentes atividades a partir das relações de gênero nas famílias assentadas – 2.013. 50

47

46 42

45 40 35

29

30

25

25 16

20 15

13

12

10

7

3

3 1

5

Cuidado da casa

Cuidado do quintal

Cuidado dos negócios

Mulher/H.

Mulher

Homem

Mulher/H.

Mulher

Homem

Mulher/H.

Mulher

Homem

Mulher/H.

Mulher

Homem

0

Economia doméstica

Fonte: Pesquisa de campo – 2013 Organização: SILVA, Edson B. da. Quanto ao tamanho da família, se nota no gráfico 2 que predominam famílias que têm de um a quatro integrantes. Mas, a família residente nem sempre corresponde à sua dimensão real, alguns membros permaneceram nas cidades. No entanto, há migração de mão-de-obra das famílias residentes no próprio assentamento. Isso ocasiona a elevação da porcentagem de famílias que contam com um a quatro

integrantes para o trabalho. O fato é que a territorialização das famílias já se deu de forma dilacerada, fruto da trajetória espacial de desterrado dos entrevistados. Entre as razões da expropriação do campo está a ampliação das relações salariais, as dificuldades de reprodução do pequeno proprietário e a falta de políticas públicas vertidas à agricultura camponesa. Na cidade esses camponeses exerciam trabalhos de baixa remuneração, isso quando os encontrava. Esse aspecto, vinculado à identidade camponesa, os impulsionou a querer voltar para a terra. No entanto, a territorialização já dilacerada e também a desagregação da família depois de estar territorializada dificulta a produção agroecológica. Isto porque como afirma Altieri (2012), a mão-de-obra humana e animal são fundamentais para a territorialização da agroecologia e para a independência dos combustíveis fósseis. Gráfico 2 – Município de Cidade Ocidental - Assentamento Cunha – percentual de famílias assentadas quanto ao número de membros residentes no assentamento – 2.013. 8%

5% 34%

12%

nº de membros

De 01 a 02 De 03 a 04

41%

De 05 a 06 De 06 a 07 De 08 a 09

Fonte: Pesquisa de campo – 2.013. Organização: SILVA, Edson B. da. Além disso, o Assentamento Cunha acompanha a tendência de envelhecimento da população brasileira. Vinte e oito por cento dos entrevistados tem acima de sessenta anos e quarenta e seis por cento de quarenta e um a sessenta anos. Além do mais, há a apropriação da renda da terra pelo capital comercial, o que causa menor entrada de capitais para as famílias camponesas assentadas, isso provoca a migração. Ou seja, o interesse de reprodução ampliada do capital provoca a exploração dos camponeses de várias formas: na venda de mercadorias, dos meios de produção e bens de consumo, na concessão de empréstimos, na compra da mercadoria camponesa pelo preço de custo. Com isso, para garantir o equilíbrio trabalhador/consumidor o assentado se proletariza, de forma temporária ou permanente.

A autoexploração poderia diminuir com as relações de ajuda mútua. Essas também fortaleceriam a agroecologia, porque reforçam os laços de amizade e redes políticas de solidariedade, que possibilitam diferentes trocas entre camponeses, desde a amizade, os conhecimentos, até sementes. No Assentamento Cunha, segundo os assentados há relações de ajuda mútua. Mas, segundo os entrevistados, as mesmas têm enfraquecido devido à penetração de hábitos do modo de vida urbano/industrial. Isso enfraquece a redes de reciprocidade camponesa, importantes a agroecologia. Quanto às práticas de trabalho acessório e assalariado. No assentamento, quarenta e quatro famílias empregam trabalhadores temporários e vinte famílias têm membros empregados nessa condição, enquanto doze famílias têm integrantes empregados de forma assalariada e cinco utilizam mão-de-obra permanente. Os dados comprovam que poucas famílias fornecem excedentes de mão-de-obra para aquelas que têm carência de força de trabalho. Mas, as famílias mais numerosas também direcionam membros para atividades fora do assentamento. Chayanov (1974) declara que os fatores básicos de organização da unidade camponesa são: terra, capital e força de trabalho. No Assentamento Cunha, os camponeses empregados nas cidades próximas é resultado da polarização de Brasília, que oferece melhores salários que os rendimentos obtidos na parcela. Falta acesso a canais de comercialização direta, que acarreta na submissão do campo à cidade. A agroecologia, enquanto proposta de autonomia do campo, frente à exploração imposta pelo capitalismo industrial/financeiro e comercial, não tem conseguido atingir esse objetivo. A invasão do capital imperialista na unidade camponesa, com a captura dos braços mais jovens, dificulta a diminuição da exploração realizada pelo capital. Quanto a terra, para 59% dos entrevistados a mesma garante a reprodução camponesa. Outros reportam a terra como mãe, ou a unidade ser humano/natureza. O senhor Gonçalves concebe a terra da seguinte forma: “A gente que é da roça, tá no sangue; parece que é aquela história: quando a gente nasce a mãe interra o umbigo da gente na terra e a gente fica ligado nela.” A proposta agroecológica, de reconstrução da relação sociedade/natureza, sem dúvida, deve utilizar a territorialidade do camponês com a terra, na sua significação seu ser só existe na relação com a mesma. A produção camponesa é resultado de um processo histórico e sócio-cultural criativo, inventivo. No Assentamento Cunha, os camponeses, quando questionados

retomam na memória a produção realizada segundo a biotecnologia histórica. Assim esclarece o senhor Benevides: “Num tinha adubo, semente comprada, ninguém sabia o que era isso. Nóis colocava semente de feijão no garrafão e selava com cera de abelha Europa ou Preta. O adubo era do mato brocado e queimado.” A fala demonstra que o camponês é produtor de saberes. Na convivência histórica com a natureza exterior o campesinato construiu mecanismos que permitiram conservar as sementes. A memória se mostra como importante elemento para a agroecologia, pois se oferece como possibilidade para a construção do presente. Altieri (2012) afirma que as comunidades camponesas desenvolveram classificações etnobotânicas, que permitiram o uso de determinadas espécies para combater aquelas que predam a lavoura. Com isso, a temporalidade do capital, mesmo com toda sua força, não destruiu a temporalidade lenta da agricultura camponesa no Assentamento Cunha. CONSIDERAÇÕES FINAIS A luta pela terra é imprescindível para a recriação do campesinato. Os resultados da pesquisa apontaram que a conquista do território camponês representou a possibilidade da autonomia relativa dos insumos, da retomada da sóciobiodiversidade do Cerrado. Desse modo, se rompeu com o programa imperialista/colonizador da “Revolução Verde”, gestou-se outro campo, espaço da coexistência de múltiplas formas de vida. Na luta pelo território, há a busca por determinar os rumos, os processos que se nele instalam. Quanto à disposição das tessituras, houve a disputa do MST com a sua base e com o Estado/CONTAG. O modelo semicoletivo não contribui para o controle dos meios de produção, dos canais de comercialização direta, pois dificultou a formação de cooperativas, agroindústrias e o território agroecológico amplo, em suma, restringiu a territorialização da agrobiodiversidade. Entretanto, a disputa mais empedernida é com o agronegócio, que intervém na produção territorial cotidiana do assentamento, seja devido à herança do solo envenenado, compactado, as áreas de preservação permanente e recursos hídricos destruídos, seja com a asfixia pela pulverização aérea de agrotóxicos, erosão genética com o fenômeno da introgressão e a penetração do agronegócio no interior do Estado, com a determinação dos rumos da política agrícola. Os camponeses assentados, também foram responsáveis pela presença da agroecologia, retomaram o conhecimento camponês e teceram redes políticas de trocas de sementes, adubos e

conhecimentos. A identidade camponesa, portanto, se mostrou como mediadora eficiente na sua difusão da produção agroecológica. O resultado desse processo foi à efetivação de conquistas, embora permaneçam ainda dificuldades, como a exploração do capitalismo comercial. REFERÊNCIAS ALTIERI, Miguel. Agroecologia: bases científicas para uma agricultura sustentável. Rio de Janeiro: Expressão Popular, 2012. 400 p. BOURDIEU, Pierre. Esboço de uma Teoria da Prática. In: ORTIZ, Renato (org.). Sociologia. (Tradução de Paula Monteiro e Alicia Auzmendi). São Paulo: Ática, 1983. 48-81 p. CALAÇA, Manoel; CHAVEIRO, Eguimar Felício. Por uma abordagem territorial do Cerrado goiano. In: CANDIOTTO, Luciano Zanetti Pessôa; SAQUET, Marcos Aurélio (orgs.). Geografia da e para a cooperação ao desenvolvimento territorial: experiências brasileiras e italianas. São Paulo: Outras Expressões, 2012. 191-206 p. CHAYANOV, Alexander V. La organización de la unidade econômica campesina. Buenos Aires: Ediciones nueva visión, 1974. 339 p. FERNANDES, Bernardo Mançano; WELCH, Clifford Andrew. Campesinato e agronegócio da laranja nos EUA e Brasil. In: FERNANDES, Bernardo Mançano (orgs.). Campesinato e Agronegócio na América Latina: a questão agrária atual. São Paulo: Expressão Popular, 2008. 45-69 p. GUHUR, Dominique Michèle Perioto; TONÁ, Nilciney. Agroecologia. In: ALENTEJANO, Paulo; CALDART, Roseli Salete et. al (orgs.). Dicionário da Educação do Campo. Rio de Janeiro: Expressão Popular, 2012. 57-65 p. INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA. Plano de Recuperação do Assentamento Cunha, Cidade Ocidental-GO. Cristalina: Rede Terra, 2011. 200 p. LEITE, Sergio Pereira; MEDEIROS, Leonilde Servolo de. Agronegócio. In: ALENTEJANO, Paulo; CALDART, Roseli Salete et. al (orgs.). Dicionário da Educação do Campo. Rio de Janeiro: Expressão Popular, 2012. 79-85 p. MARTINS, Adalberto. A Agroecologia na Estratégia do MST como Parte da Contraposição ao Agronegócio. In: Seminário da região Sul sobre a Agroecologia. Porto Alegre: Setembro de 2012. 10 p. MOLINA, Manuel González de. Las experiências agroecológicas y su incidência en el desarollo rural sostenible. La necessidad de una agroecológica política. In: BALESTRO, Moisés V; SAUER, Sérgio. Agroecologia e os desafios da transição agroecológica. São Paulo: Expressão Popular, 2009. 17-70 p.

RAFFESTIN, Claude. Por uma geografia do poder. São Paulo: Ática, 1993. 266 p. SANTOS, Jose Vicente Tavares dos. Colonos do vinho. São Paulo: Hucitec, 1984. 182 p. SAQUET, Marcos Aurélio. Por uma geografia das territorialidades e das temporalidades: Uma concepção multidimensional voltada para a cooperação e para o desenvolvimento territorial. São Paulo: Outras expressões, 2011. 123 p. ______. Abordagens e concepções de território. SP: Expressão popular, 2007. 178 p WOORTMANN, Klass. Com parente não se neguceia. – O campesinato como ordem Moral. In: Anuário Antropológico. Ed. UNB- tempo brasileiro, 1990. 71 p. Pesquisa concluída em dezembro de 2013.

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