Novas modalidades de gestão público e privada na atenção básica no Brasil:

February 11, 2017 | Author: Luiz Guilherme Casado Bastos | Category: N/A
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS FACULDADE DE MEDICINA NÚCLEO DE EDUCAÇÃO EM SAÚDE COLETIVA

Novas modalidades de gestão “público e privada” na atenção básica no Brasil: uma análise a partir do PMAQ New forms of public and private management in primary care in Brazil: an analysis of PMAQ

Autores Alaneir de Fatima dos Santos, Doutora em Ciência da Informação, UFMG. NESCON/FM/UFMG; Ângela Maria de Lourdes Dayrell de Lima, Mestre em ,NESCON/FM/UFMG; Daisy Maria Xavier Abreu, Doutora em Saúde Pública, UFMG. NESCON/FM/UFMG; Lucas Henrique Lobato de Araújo, Doutorando de Pós Graduação da Enfermagem, UFMG; Maria Luiza Ferreira Evangelista, Graduanda, UFMG. NESCON/FM/UFMG; Clarice Reis, Mestre Medicina de Família, Universidade MCGILL, Canadá; NESCON/FM/UFMG; Simone Cristina Rodrigues, Graduanda, UFMG. NESCON/FM/UFMG; Claudia Renata de Paula Orlando, Graduanda, UFMG. NESCON/FM/UFMG; Antônio Thomaz Gonzaga da Matta Machado, Doutor em Saúde Pública, UFMG. NESCON/FM/UFMG(Coordenador do Projeto de Pesquisa).

Belo Horizonte 2013

Gestão “público e privada” na ABS: uma análise a partir do PMAQ

Palavras chave Reforma do serviço de saúde, gestão em saúde e avaliação em saúde.

Créditos Ministério da Saúde/Secretaria de Atenção à Saúde/Departamento de Atenção Básica (DAB)/ Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica

Resumo Na construção do Estado brasileiro, distintos padrões de relacionamento público e privado se estruturaram ao longo do tempo. Nas modernas concepções de estruturação do aparato estatal, a atividade regulatória estaria no cerne de novas modalidades de relacionamento público-privado, bem como de novas relações entre diferentes segmentos do aparelho de Estado. Os interesses organizados estariam voltados para o exercício da influência na definição das regras de gestão de prestação de serviços públicos e dos recursos transferidos para o controle da iniciativa privada. Neste contexto, novos arranjos jurídico-institucionais foram estabelecidos, ampliando progressivamente a inserção de modalidades privadas na gestão e provisão de serviços de saúde no Brasil. O presente estudo pretende conhecer a abrangência destas novas modalidades na atenção básica no Brasil, relacionando-as com o processo de certificação propiciado pelo PMAQ – programa de melhoria do acesso e qualidade, através da análise da certificação na dimensão da gestão do processo de trabalho em saúde.

Foi realizado um estudo descritivo com os dados preliminares obtidos pela

certificação do PMAQ-AB coletados no período de setembro a dezembro de 2012. O universo pesquisado englobou 15.514 equipes certificadas, em 3972 municípios participantes. Foi realizada uma categorização dos doze agentes contratantes encontrados em: público, administração direta e indireta, privado lucrativo, privado não lucrativo e outros. Através de

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análise bi-variada, utilizando o teste qui-quadrado, foi verificada a existência de associação estatisticamente significativa entre o nível de certificação atribuído a equipe de saúde da família e o agente contratante apenas quanto a organização dos prontuários e informatização e organização da agenda. Os resultados evidenciaram que a maioria das equipes de saúde da família possuía a administração direta como agente contratante em todas as regiões, com destaque para o Norte, com 92%, enquanto o Sudeste possui o menor percentual desse agente contratante (68%). Destaca-se na região Sudeste o privado não lucrativo como agente contratante das equipes de saúde da família, atingindo o percentual de aproximadamente 24%. Por este estudo, observou-se que estas novas modalidades não trazem ganhos importantes de melhoria de acesso e qualidade, a não ser um dos cinco atributos analisados. Estes novos padrões de relação público/privado, preconizados pela reforma do estado brasileiro, estão progressivamente se estruturando na área de saúde.

Introdução A organização dos serviços de saúde no Brasil passou por importantes mudanças nas últimas décadas, com o processo de implantação/consolidação do Sistema Único de Saúde (SUS). Essas mudanças geraram demandas que incluem a organização do processo de trabalho, de forma a responder às necessidades da população no nível local e de referenciar os casos mais complexos para os demais níveis do sistema. No processo de organização da atenção à saúde, é preciso definir as estratégias de operacionalização da rede de serviços, de modo a compor e gerir equipes de trabalho, organizar a estrutura física e tecnológica do sistema local, disponibilizar insumos, dentre outras ações. Uma importante estratégia para viabilizar estas propostas é o fortalecimento da Atenção Básica em Saúde (ABS). A ABS caracteriza-se por um conjunto de ações de saúde, no âmbito individual e coletivo, que abrangem promoção, proteção e recuperação da saúde, com o objetivo de desenvolver

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uma atenção integral que repercuta na situação de saúde e autonomia das pessoas e nos determinantes e condicionantes de saúde das coletividades (STARFIELD, 2002, GIL, 2006). A sua operacionalização ocorre por meio de práticas de cuidado e de gestão participativas, conduzidas pelo trabalho em equipe e direcionadas a populações de territórios estabelecidos, pelas quais assume a responsabilidade sanitária. A ABS utiliza tecnologias de cuidado complexas e variadas que devem auxiliar no atendimento às demandas e necessidades de saúde de maior prevalência e relevância em seu território, considerando critérios de risco e vulnerabilidade, tendo como imperativo ético a questão de que toda demanda, necessidade de saúde ou sofrimento deve ser atendida. Na sua concepção, a ABS representa o contato e a porta de entrada preferencial dos usuários na rede de atenção à saúde. Seus principais princípios e diretrizes são: territorialização e responsabilização sanitária; adscrição dos usuários e vínculo; acessibilidade, acolhimento e porta de entrada preferencial; cuidado longitudinal; ordenação da rede de atenção à saúde; gestão do cuidado integral em rede; trabalho em equipe multiprofissional (BRASIL, 2006). Nos últimos anos, a principal estratégia no Brasil para a expansão da ABS é a estratégia Saúde da Família (SF), que tem recebido importantes incentivos financeiros visando à ampliação da cobertura populacional e à reorganização da atenção prestada. A estratégia SF aprofunda os processos de territorialização e responsabilidade sanitária das equipes de saúde, compostas basicamente por médico generalista, enfermeiro, auxiliares de enfermagem e agentes comunitários de saúde. O trabalho da equipe SF é referência de cuidados para a população adscrita, com um número definido de domicílios e famílias assistidos por equipe (BRASIL, 2001). Apesar da crescente expansão da ABS por meio das equipes de SF nas últimas décadas, os desafios persistem e indicam a necessidade de articulação de estratégias de acesso aos demais níveis de atenção à saúde, de forma a garantir o princípio da integralidade, assim como a

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necessidade permanente de ajuste das ações e serviços locais de saúde, visando ao atendimento das necessidades de saúde da população e a superação das desigualdades de oferta e acesso entre as regiões do país. Com o intuito de avaliar o acesso e a qualidade das equipes da ABS no Brasil, o Ministério da Saúde instituiu em 2011 o Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB). O projeto PMAQ-AB é composto de várias fases de implementação que culminam com a certificação das equipes de Atenção Básica de acordo com um padrão de qualidade. Um dos aspectos que deve ser considerado no processo de avaliação da qualidade da ABS refere-se aos tipos de agentes jurídico-institucionais utilizados na contratação de profissionais, pois, esse componente pode interferir no planejamento de estratégias e instrumentos de gestão. Estes novos tipos de agentes jurídico-institucionais configuram, na prática, novas modalidades de gestão e provisão dos serviços de saúde, com impactos importantes na concepção e estruturação do SUS. Considerando a oportunidade de se analisar a realidade das equipes de saúde da atenção básica, por meio da avaliação externa do PMAQ-AB, é importante conhecer as experiências de arranjos jurídico-institucionais em andamento na atenção básica, tendo em vista o seu papel ordenador do sistema de saúde e coordenador do cuidado.

Justificativa. As mudanças nos arranjos jurídico-institucionais decorrentes do processo de modernização do Estado brasileiro estão demarcando a introdução de novas modalidades de contratação de profissionais, de gestão e de provisão de serviços na atenção básica. Diversos agentes jurídico-institucionais estão atuando na atenção básica no Brasil e torna-se relevante tipificá-los por natureza da atividade, forma de criação ou de qualificação, forma de

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aquisição dos recursos orçamentários e financeiros, forma de contratação e gestão dos recursos humanos, além de conhecer como se caracterizam os contratos e as prestações de contas dessas instituições. Para o entendimento dessa tipificação, os órgãos públicos de administração direta e indireta, as atividades privadas lucrativas e não lucrativas e de interesse público do Estado fundamentaram o modelo de análise de arranjos jurídicos institucionais na atenção básica (SALGADO; GIRARDI, 2011). Nesta perspectiva, é importante identificar como essa nova configuração jurídico-institucional tem alcançado a atenção básica, questão essa ainda pouco conhecida no Brasil. A avaliação externa do PMAQ-AB representa uma oportunidade de investigar esse quesito na pesquisa nacional das equipes de atenção básica. Foi possível obter informações sobre natureza jurídica do agente contratante dos coordenadores das equipes, considerando-os com atribuições que os qualificam como representantes legítimos da forma de atuação da equipe e, portanto, a natureza jurídica de seu agente contratante poderia ser considerada como a mais representativa da configuração jurídico-institucional da equipe de saúde. Há diferentes possibilidades de abordar o tema. A vertente explorada neste trabalho, que caracteriza a participação dos agentes contratantes de coordenadores de equipes de atenção básica, é apenas uma delas. A intenção foi a de estabelecer pontes entre um conjunto de aportes teóricos destacadamente das ciências políticas e jurídicas com uma base empírica constituída pela descrição e análise de características dos agentes contratantes segundo a dimensão de gestão do processo de trabalho e acesso à atenção básica. Trata-se de um trajeto ainda em desenvolvimento, mas suficientemente instigante para suscitar o debate e, portanto, estimular críticas e sugestões parciais ou integrais para posterior revisão e aprimoramento do trabalho.

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Objetivos Geral: 

Caracterizar a Natureza Jurídica de agentes contratantes das equipes de saúde da família certificadas e sua associação com os resultados obtidos na sua certificação do programa de melhoria de acesso e qualidade, no que se refere à dimensão gestão no processo de trabalho e acesso.

Específicos: 

Caracterizar a distribuição da natureza jurídica dos agentes contratantes dos coordenadores das equipes de saúde da família por região;



Verificar a associação entre natureza jurídica dos agentes contratantes dos coordenadores das equipes de saúde e a certificação das equipes por categorias que compõem a subdimensão gestão do processo de trabalho e acesso.

Referencial Teórico A discussão relativa a abrangência das novas modalidades de gestão experimentadas no sistema público de saúde no Brasil na atenção básica, nos remete ao processo de estruturação do Estado brasileiro, no qual distintos padrões de relacionamento público/privado

se

estruturaram ao longo do tempo. O conflito resultante ou tensão que se verifica entre as duas esferas, do público e do privado, constituiria assim, a essência mesma da política e de seu processo de institucionalização. Baseada na análise de Boschi (2002) será reconstituída, brevemente, a trajetória da estruturação do Estado brasileiro, desde a era Vargas. A estruturação do Estado brasileiro, particularmente na era Vargas, inicia o processo de incorporação de segmentos da sociedade civil, ainda limitados do ponto de vista de direitos

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universais, com ênfase nos trabalhadores organizados em um contexto de urbanização crescente da sociedade brasileira. No entanto, trata-se das primeiras iniciativas de conformação de elementos de representação ainda que fortemente ancorados em estruturas corporativas, que passam a ter acesso, através de mecanismos de representação, ao Estado brasileiro -, que vinha de uma tradição de estruturação formada unicamente pelas elites brasileiras. O corporativismo implantado nos anos 30 pode ser interpretado, segundo Boschi (2002), como uma síntese institucional, delimitando a fronteira entre o público e privado, ainda que, como em outro tipo de arranjo, encobrindo as apropriações do público pelo privado que operam por contatos pessoais, vínculos clientelistas, estabelecimento de redes, enfim, no espaço cinzento entre as duas esferas. Por outro lado, embora replicando desigualdades sociais básicas, o corporativismo significou a mobilização e organização das classes sociais pela via da representação de interesses, no qual os benefícios garantidos pela estrutura oficial advinham dos mecanismos de filiação compulsória e do imposto sindical. A dimensão da representação pode ser ressaltada como um fator positivo a conferir algum grau de legitimidade e transparência aos arranjos corporativos. Dessa forma, a representação é um traço a reter e a se recuperar da lógica do velho corporativismo. Trata-se da delimitação do espaço público a partir da hierarquização categórica de interesses, mas, sobretudo instaurando uma lógica em que a representação era um princípio fundamental. Também, o lado patronal se estruturou de forma paralela para defesa de seus interesses e disputa de possibilidades. Esta dimensão da representação é um traço importante a ser ressaltado no processo de construção do Estado brasileiro, na medida em que as propostas pós-reforma do Estado situam estas características do Estado brasileiro como limitadoras para o âmbito de instauração de uma sociedade baseada em direitos universais.

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Esta estruturação do Estado brasileiro, neste período, avança na conformação de uma incipiente estrutura estatal na área de saúde, com a divisão do território nacional em distritos sanitários, 13 serviços nacionais por especialidades, divisão de organização hospitalar, que convive com as estruturas de prestação de serviços advindos dos Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs). Observa-se a construção dos fundamentos de um sistema nacional de saúde e também a emergência do dualismo institucional, instituído pelo processo de industrialização via o estabelecimento da indústria automobilística no ABC paulista. Em 64, é interrompida esta dinâmica de construção do Estado brasileiro, com os interesses mercantis iniciando seu processo de institucionalização no âmbito do Estado brasileiro. São criadas as principais estruturas de institucionalização do mercado privado da saúde no Brasil, em uma articulação deletéria entre ações estatais e interesses privados. No início da década de 90, os planos e seguros de saúde já cobrem 13,9 % da população brasileira. Será no âmbito do movimento democrático que redunda na estruturação da constituição brasileira, em 1988, que os interesses universais em relação à saúde passam a ser assegurados no âmbito da estruturação do Estado brasileiro, através da criação do Sistema Único de Saúde. Este processo de incorporação de segmentos da sociedade civil é redefinido na dinâmica de modernização do Estado. No entanto, a conjuntura do final do ciclo desenvolvimentista, em meados da década de 80, coloca em xeque a estruturação do Estado com estas características. As iniciativas de inserção do país na dinâmica do processo de globalização, por um lado e as exigências macroeconômicas no plano interno por outro lado, redundam em uma proposta estruturada de reconfiguração do espaço público/privado, sintetizada em uma proposta de reforma do Estado brasileiro. A transição anunciada, baseada no tripé estabilização, privatização do patrimônio estatal e abertura comercial no que se refere aos aspectos da relação público-privada, segundo Boschi

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(2002) terá como consequência uma radical transformação do papel estratégico do Estado na medida em que a lógica do mercado se interpenetra na dinâmica de funcionamento do Estado e os atores da economia globalizada passam a ser a tônica das ações executivas. O Estado passa a reconfigurar-se fundamentalmente para a implementação de uma política econômica voltada para os agentes externos, com a subordinação de todas as demais dimensões. Não se trata do fato que as reformas tenham destituído o Estado de sua capacidade de intervenção, particularmente na área de políticas sociais. Essa reconfiguração do Estado interpõe o mercado como o fundamento das relações no interior do próprio aparato estatal, deste com relação à sociedade e entre os principais atores organizados. Quanto ao Estado, observa-se uma orientação, no âmbito do setor privado, no sentido de privilegiar os investidores internacionais, na tentativa de inserir-se no processo de globalização em detrimento dos domésticos. No âmbito dos atores sociais, descontrói-se o antigo corporativismo centrado em cenários de representação, para um processo seletivo de incorporação de atores a partir de uma lógica estabelecida de competitividade. Poderia estar se desenhando uma assimetria de maneira ainda mais seletiva, relegando à esfera das práticas localizadas de governança e descentralização de políticas a incorporação de atores subalternos (BOSCHI, 2002). Nesta nova configuração, na atividade regulatória estaria o cerne de novas modalidades de relacionamento público-privado, bem como de novas relações entre diferentes segmentos do aparelho de Estado (BOSCHI, 2002). No primeiro caso, os interesses organizados estariam voltados para o exercício da influência na definição das regras de gestão de prestação de serviços públicos e dos recursos transferidos para o controle da iniciativa privada. No segundo caso, em função da atividade regulatória, o papel das agências autônomas subtrai do congresso a prerrogativa de legislar sobre matérias pertinentes aos direitos dos cidadãos (consumidores) e sobre os limites da atividade empresarial privada (investidores). Neste

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quadro, destaca-se a possibilidade de apropriação diferenciada do espaço público por interesses privados, os mais organizados entre os organizados. Segundo Boschi (2002), diferentemente do velho corporativismo, nos quais a representação constitui um fator fundamental, passa a privilegiar a eficiência e a profissionalização como fundamento da atuação dos grupos privados no domínio do público. Predomina uma ideia que a eficiência quanto aos resultados, constrói a base de legitimidade, em contexto de restrição importante da dimensão democrática da nova ordem constituída. Tende-se a privilegiar o interesse dos investidores em relação aos consumidores. É tênue a possibilidade de controle por parte do legislativo, são baixos os graus de transparência dos processos internos, e altos os custos para a democracia com influência irrestrita. Instaura-se assim um novo tipo de corporativismo, que tem na oposição entre investidores e consumidores sem critérios de representação, seu novo eixo de conflito e assimetria estrutural. Do velho ao novo corporativismo, observa-se um movimento contrário que iria da publicização crescente de interesses privados na ordem estatal à privatização de interesses públicos na ordem pós-reformas. Duas questões são identificadas por Boschi (2002). No velho corporativismo ocorria uma coincidência entre o espaço de decisão e de representação, no novo, o espaço de decisão está insulado no âmbito das agências regulatórias. A outra dimensão impõe-se a partir da cisão entre resultados e processos, enfatizando resultados e eficiência econômica no curto prazo, em detrimento da representação política e do controle democrático sobre o processo decisório. Boschi aponta que esta nova modalidade de regulação redunda, não na erosão do Estado – já que este não perde como se enfatizou, sua capacidade de intervenção – mas no enfraquecimento da democracia. Na área de saúde no Brasil, os processos de modernização da estrutura estatal sob a égide de atividades regulatórias estabeleceu-se a partir da estruturação, em 1999, da Agência Nacional

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de Vigilância Sanitária (ANVISA) Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), criada em 2000. Também a possibilidade de modernização da estrutura estatal se dá a partir de regulamentações que estabelecem a possibilidade de novos arranjos jurídicos, que possibilitam um escopo novo de interação entre a dimensão pública e privada no âmbito do Estado brasileiro. A criação das Organizações Sociais (OS) (Lei nº 9.637/1998), Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) (Lei nº 9.790/1999) dentro deste contexto e mais recentemente, as normatizações relativas à existência de Organizações Não Governamentais (ONG) (Lei nº 12.435/2011) e Entidade Filantrópica (Lei nº 12.435/2011), configuram novas situações de relação público/privado, afetando o processo de gestão e provisão de serviços. A reforma administrativa do Estado têm importantes repercussões na gestão dos serviços de saúde. O modelo implementado, na prática, enfatiza as dimensões relativas ao gerencialismo e ao processo progressivo de desresponsabilização do Estado, no âmbito da área de saúde. Conforme Azevedo e Andrade (1996), a reforma baseava-se na proposta de “diferenciação e separação das funções que integram o repertório de ações do setor público”, tendo como pressuposto a existência de um conjunto de atividades exclusivas do Estado. Esse modelo apresenta um caráter “geral e homogêneo pretendido para resolver a questão da administração pública nos três níveis de governo” e baseou-se “na flexibilidade dos meios de gestão dos segmentos de prestação de serviços” (AZEVEDO; ANDRADE, 1996, p.74 e 75). Entretanto, essas modalidades não subordinadas à administração direta ou indireta do Estado foram introduzidas no SUS como uma alternativa para viabilizar maior oferta de serviços de saúde com ampliação da cobertura e acesso. Isso pode ser considerado, uma vez que os gestores buscavam maior flexibilidade, pautados pelas concepções gerencialistas e como forma de contornar a Lei de Responsabilidade Fiscal na gestão de recursos humanos.

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Conforme destaca Bahia (2011, p.119): como a rede ‘pública’ é integrada por estabelecimentos privados (entre as quais as filantrópicas) e a ‘privada’ por instituições públicas (entre as quais estabelecimentos estatais), a rigor a rotulação público ou privado resulta de uma apropriação bastante singular – uma transposição de características da demanda (a cobertura ou não por planos e seguros privados de saúde) à oferta de ações e serviços de saúde.

Fundamentam essas concepções teorias liberais do campo da economia ou da administração prescrevendo a “naturalização” das práticas de mercado na prestação da assistência à saúde. Destaca-se o documento da Associação Latino-Americana de Medicina Social (ALAMES) já em 1993, que apresentava uma crítica à transposição para a América Latina do conceito de mescla (mix), elaborado e utilizado por organizações multilaterais, como o Banco Mundial. Para a ALAMES, ao invés de utilizar a ideia de mescla (mix) público/privada, deveria ser adotado o conceito de "articulação público/privado”, mais adequado para a compreensão das complexas relações entre o público e o privado no sistema de serviços de saúde de países em desenvolvimento. (SESTELO; SOUZA; BAHIA, apud EIBENSCHUTZ, 2013) A presença dessas modalidades sempre foi mais marcante na gestão da área hospitalar, mas nos últimos anos, face à ampliação da atenção básica, com o surgimento e expansão do PSF, observa-se a introdução de novos arranjos institucionais, principalmente na gestão dos recursos humanos. Segundo Barbosa (2010, p. 2498), (...) este modelo vem se expandindo no país, obrigando técnicos, gestores e usuários a uma profunda reflexão sobre os limites entre público e privado no setor saúde, incluindo as vantagens e desvantagens sobre o processo de flexibilização da gestão do trabalho e os riscos da precarização de vínculos, já observados na Estratégia de Saúde da Família. Nesse sentido, identificar os diversos tipos de agentes jurídico-institucionais públicos e privados utilizados para a gestão de recursos humanos na atenção básica, é importante para o desenho de estratégias e melhoria dos processos de gestão (GIRARDI, 2003). Observa-se que, de acordo com a legislação vigente, há um conjunto de diversos agentes jurídico-institucionais contratados para atuar na atenção básica e torna-se relevante tipificá-los 13

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por natureza da atividade, forma de criação ou de qualificação, forma de aquisição dos recursos orçamentários e financeiros, forma de contratação e gestão dos recursos humanos, e também conhecer como se caracterizam os contratos e as prestações de contas dessas instituições. Para o entendimento dessa tipificação os conceitos de ação direta e indireta da administração pública como também de atividade privativa e não privativa e de interesse público do Estado fundamentaram o modelo de análise desses arranjos jurídicos institucionais na atenção básica (SALGADO; GIRARDI, 2011). A Administração Pública Direta pressupõe a atuação do poder executivo, por meio das estruturas estatais para regular a ordem social e econômica do país e é formada pelos Ministérios, Secretárias de Estado e Secretarias Municipais. (DECRETO-LEI nº 200, 25/02/1967). Já a Administração Pública Indireta é composta por entidades administrativas, com personalidade jurídica própria e autonomia administrativa, para o exercício de competências descentralizadas. Os modelos propostos são Consórcios Intermunicipais de Direito Público e Privado (LEI Nº 11.107/2005, DECRETO Nº 6.017/2007), Fundação Pública de Direito Público (LEI N.º 7.596/1987) e Privado (EC Nº 19/1998). Essas estruturas são criadas e extintas por lei ou mediante autorização legal específica e em princípio, só a Administração Pública Direta e Indireta exercem autoridades públicas (SALGADO; ALMEIDA, 2012). As OSs, OSCIP, ONG, Entidade Filantrópica são organizações privadas para desenvolver atividades de interesse público. Essas atividades são realizadas “pelo particular que, por força do artigo 5° da Constituição Federal, sujeitam-se apenas ao que for expressamente determinado pela lei” (SALGADO; ALMEIDA, 2012). Diferente do setor público orientado pelo dever, o particular se orienta por uma motivação e pelos requisitos contratuais que estabelece as obrigações mútuas. Entretanto, não têm força para transmitir o dever da

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Administração pública para o terceiro. Portanto, sua participação crescente na provisão de serviços de saúde no Brasil devem ser objetos de análises e reflexões.

Método Foi realizado um estudo descritivo utilizando os dados preliminares obtidos pela certificação do PMAQ-AB coletados no período de setembro a dezembro de 2012, que englobou 17482 ESF e outros modelos de atenção básica, aderidos ao PMAQ, em 3972 municípios participantes, abrangendo todos os Estados da federação. O estudo realizado utilizou os dados coletados pelo PMAQ. O objetivo do projeto PMAQ é apoiar tecnicamente e induzir economicamente a ampliação do acesso e a melhoria da qualidade da Atenção Básica, garantindo um padrão de qualidade comparável e passível de acompanhamento público. Para isso, foi realizado um processo de certificação das EAB participantes do PMAQ por meio do monitoramento dos indicadores do Sistema de Informação da Atenção Básica (SIAB) e pela verificação de um conjunto de padrões de qualidade investigados na fase de avaliação externa do projeto. Para realizar a avaliação externa das EAB, o MS contou com o apoio de Instituições de Ensino e Pesquisa na organização e desenvolvimento dos trabalhos de campo, incluindo seleção e capacitação das equipes de avaliadores que aplicaram os mesmos instrumentos avaliativos em todo o território nacional (BRASIL, 2012). O instrumento de avaliação externa foi dividido em quatro questionários: questionário I relacionado a questões de infraestrutura, materiais e insumos para a AB (observação da UBS e entrevista com um profissional de nível superior da equipe); questionário II sobre questões relacionadas ao acesso e a qualidade da atenção, à organização do processo de trabalho da equipe e a articulação da rede de atenção à saúde (entrevista com o coordenador da equipe); questionário III referente à satisfação do usuário (entrevista na UBS com quatro usuários); e 15

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questionário IV (on-line) de informações complementares aos Módulos I, II e III (módulo online respondido pelo gestor municipal e as equipes). A certificação de desempenho das equipes de atenção básica participantes do PMAQ foi realizada com base na implantação de processos autoavaliativos, na avaliação do acesso e da qualidade das EAB participantes do PMAQ-AB, por meio do monitoramento dos indicadores contratualizados e pela verificação de um conjunto de padrões de qualidade no próprio local de atuação das equipes (Brasil, 2011). No processo de certificação, os municípios foram distribuídos em estratos que levaram em conta aspectos sociais, econômicos e demográficos. Além disso, as informações foram agrupadas em dimensões e subdimensões e a cada uma delas foi atribuído um peso. As cinco dimensões definidas foram Gestão Municipal para o Desenvolvimento da Atenção Básica; Estrutura e Condições de Funcionamento da UBS; Valorização do Trabalhador; Acesso e Qualidade da Atenção e Organização do Processo de Trabalho; Acesso, Utilização, Participação e Satisfação do Usuário. Para essa análise foram utilizadas as notas de do conceito da subdimensão gestão do processo de trabalho e acesso que está incluída na dimensão IV- Acesso e Qualidade da Atenção e Organização do Processo de Trabalho. Nesta subdimensão, que foi objeto de análise desta pesquisa, as seguintes variáveis foram analisadas: Planejamento das Ações, Organização da agenda e Visita Domiciliar; Acolhimento à Demanda Espontânea; Territorialização e População de Referência; Organização dos Prontuários e Informatização e organização da agenda. As informações sobre agente contratante foram retiradas do módulo II, referente às respostas dos coordenadores de cada equipe. As categorias discriminadas para agente contratante foram as seguintes: Administração direta, Consórcio intermunicipal de direito público, Consórcio intermunicipal de direito privado, Fundação pública de direito público, Fundação pública de direito privado, Organização social (OS), Organização da Sociedade Civil de Interesse

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Público (OSCIP), Entidade filantrópica, Organização não governamental (ONG), Empresa, Cooperativa e Outro(s). A partir de suas legislações específicas, os doze tipos de agentes contratantes foram categorizados novamente em cinco formas tendo como referência à natureza das atividades, a forma de criação e qualificação, a forma da prestação de contas, a forma da gestão dos recursos humanos e dos contratos e a proveniência do financiamento presentes nas leis que regem cada um dos tipos acima citados. O Quadro 1(ANEXO A), sintetiza as novas categorias. Os dados utilizados na análise foram extraídos do banco de dados preliminar do PMAQ tabulados pelo Ministério da Saúde - Módulo II – no Software Microsoft Excel®. Posteriormente esses dados foram conferidos e tratados no software Social Package Social Sciences 14 (SPSS). Inicialmente foi realizada uma análise descritiva da distribuição dos agentes contratantes de acordo com as regiões brasileiras, por meio da frequência relativa e absoluta desses agentes. A análise bivariada inicial consistiu na comparação entre a frequência relativa dos agentes contratantes com as certificações das equipes de saúde da família, de acordo com as dimensões da gestão do processo de trabalho e acesso. Essa análise foi realizada por meio do teste de qui-quadrado para proporções, em que a probabilidade (p) de cometer erro tipo I foi assinalada em cada teste realizado, considerando-se estatisticamente significantes valores de p menores de 0,05.

Resultados Foram certificadas 15.514 equipes de saúde da família em todos os estados do Brasil, exceto Amapá. Entre todas as regiões, o maior número de equipes entrevistadas se concentra na região Sudeste (38%), seguido pela região Nordeste (33%) e Sul (17%).

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A maioria das equipes de saúde da família possuía administração pública como agente contratante: a Administração Direta corresponde a 74% e a administração indireta a 8,7%. No âmbito do setor privado, encontrou-se 9,8% correspondendo ao privado não lucrativo, 6,1% a outros e 1,3% ao privado lucrativo. O Gráfico 1 (ANEXO B) detalha a distribuição da natureza jurídica de acordo com as regiões do Brasil. Observa-se que, a administração direta é o agente contratante presente na maioria das equipes de saúde da família em todas as regiões, com destaque para o Norte, com 92%, enquanto o Sudeste possui o menor percentual desse agente contratante, com 68%. Por outro lado, o privado lucrativo é uma das modalidades que apresenta menor frequência em todas as regiões, superior apenas às outras formas não determinadas de agente contratante nas regiões Sudeste, Centro-oeste e Sul (2%). Destaca-se na região Sudeste o privado não lucrativo como agente contratante das equipes de saúde da família, atingindo o percentual de aproximadamente 24%. Ao se analisar a distribuição da natureza jurídica dos agentes contratantes de acordo com os estados brasileiros, observa-se que os estados de Rio de Janeiro e São Paulo apresentam mais da metade do total das equipes de saúde da família da região Sudeste contratadas pelo privado não lucrativo (dados não apresentados). A Tabela 2 (ANEXO C) detalha a distribuição entre o nível de certificação atribuído a equipe de saúde da família de acordo com a subdimensão gestão do processo de trabalho e acesso, que é composta das variáveis, Planejamento das Ações, Organização dos Prontuários e Informatização, Organização da agenda, Territorialização e População de Referência, Acolhimento à Demanda Espontânea e Visita Domiciliar e com a natureza jurídica do agente contratante, assim como a associação estatística pelo teste qui-quadrado entre essas variáveis. Nas variáveis referentes ao Planejamento das Ações, Organização da agenda e Visita Domiciliar, a certificação classificada como boa foi prevalente em todos os agentes

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contratantes, exceto na última variável, em que obtiveram a certificação ruim para o agente contratante privado não lucrativo. No restante das variáveis analisadas a maioria das equipes foi certificada como regular, exceto em relação ao Acolhimento à Demanda Espontânea, quando o agente contratante era a administração indireta. Ao se analisar a média do percentual de certificação entre todos agentes contratantes, ressaltase que, a Territorialização e População de Referência possuíram maior percentual médio de certificação ótimo, enquanto a variável Organização dos Prontuários e Informatização possui maior percentual médio de certificação regular. O teste de associação do qui-quadrado demonstrou que apenas nas variáveis Organização dos Prontuários e Informatização e Organização da Agenda se observa uma associação estatisticamente significante entre a natureza jurídica dos agentes contratantes dos coordenadores das equipes de saúde e a certificação das equipes.

Discussão Os resultados encontrados no presente estudo apontam para questões relevantes sobre o processo de gestão do trabalho na atenção básica, já identificadas por outros autores. Conforme observaram Girardi e Carvalho (2003), as regiões mais desenvolvidas do país têm utilizado mais de agentes terceiros para contratação de pessoal, do que as demais regiões, nas quais predomina a contratação direta dos profissionais pelo poder público. Para os coordenadores das equipes de saúde avaliadas pelo PMAQ, nota-se uma presença importante das entidades privadas não lucrativas na região Sudeste. A participação de instituições de caráter privado sem fins lucrativos, administradas com a lógica do setor privado, porém com finalidades de interesse público, é marcante no processo de reforma do Estado (FRANCO, 1999). Entretanto, esse cenário deve ser avaliado com atenção, dada que a ampliação da

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institucionalização dessas entidades pode descaracterizar e comprometer o desempenho de funções de responsabilidade do Estado e repercutem sobre a vulnerabilidade do SUS, garantindo a efetividade, eficiência e eficácia da gestão do sistema de saúde (PAIM, 2007). A disseminação de organizações sociais, OSCIPs, cooperativas e outras modalidades de gestão na área de saúde emerge como uma alternativa aos gestores municipais para viabilizar a contratação de profissionais, mas parece não resolver os problemas já existentes. Em diversas situações, o quadro agrava-se, pois além de gestão da força de trabalho, estas iniciativas também passam a se constituir como alternativas para provisão de serviços, configurando uma situação de entrada efetiva das modalidades privadas de provisão de serviços. Nesses casos, surgem as Organizações Sociais que são entidades gestoras, de caráter privado, sem fins lucrativos, que, por meio de contratos de gestão, vinculam-se às secretarias de saúde. Por sua vez, as Fundações Estatais configuram-se como fundações públicas com estrutura de direito privado, caracterizadas por seguirem normas simplificadas de direito administrativo e por estarem limitadas ao âmbito da administração indireta do Estado. Esses dois novos arranjos institucionais estão sendo implantados pelos gestores em um cenário de conflitos com outros importantes atores do SUS (NOGUEIRA, 2002). Observando a associação entre natureza jurídica dos agentes contratantes e certificação das equipes por aspectos que compõem a dimensão gestão do processo de trabalho, os resultados indicaram que não há diferenças importantes entre as formas utilizadas para contratação dos coordenadores. Ou seja, ser contratado por uma entidade de uma determinada natureza jurídica parece não ter implicações sobre o grau de certificação obtido pelas equipes, à exceção da associação entre o nível de certificação atribuído à equipe de saúde e o agente contratante nas dimensões Organização dos Prontuários e Informatização e Organização da Agenda que se mostrou estatisticamente significativa. Nota-se que, independentemente da

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natureza jurídica, em geral, as equipes receberam nível de certificação bom ou regular e a frequência das equipes certificadas como ótimo foi relativamente baixa. Esses achados nos remetem a discussão sobre a reforma do Estado que levou a certa polarização entre a administração direta e a desresponsabilização estatal e reprimiu a busca de alternativas que fossem capazes de superar os problemas e assegurassem efetividade, qualidade e eficiência nos serviços prestados pelos serviços de saúde, em particular pela atenção básica. Os novos arranjos institucionais sugerem uma tendência da desregulação das relações de trabalho (NOGUEIRA, 2002) que podem ter impacto na atenção prestada. Portanto, frente a esse quadro é necessário rever as bases legais e normativas que sustentam esses institutos e conformam o regime jurídico administrativo que regula a atuação das instituições e agentes estatais, para reduzir o risco de agravamento do processo de perda de capacidade estatal de governança e governabilidade, em favor de atores privados nacionais ou de agentes internacionais, que conforme destaca Salgado e Girardi (2011), atuam na economia e na política interna brasileira de forma contundente, em razão do fenômeno da internacionalização da economia. Como observado na literatura, não se trata simplesmente de um mix público/privado de recursos assistenciais usados indistintamente para o atendimento das necessidades da população, mas de como arranjos dotados de lógicas contraditórias se articulam. Essas lógicas devem ser compreendidas e explicitadas, para que assim se busque a instalação de um regime regulatório que contribua para o fortalecimento do caráter público e da unicidade do sistema de saúde (SESTELO; SOUZA; BAHIA, apud EIBENSCHUTZ,2013). Por fim, as observações apresentadas sinalizam sobre a importância da questão e colocam aspectos que devem ser aprofundados em novos estudos e devem considerados no debate sobre o tema.

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CARNEIRO JUNIOR, N. O setor público não estatal: as organizações sociais como possibilidades e limites na gestão pública da saúde Tese apresentada à Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo para obtenção do título de Doutor em Medicina, 2002.

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GIL, C. R. R. Atenção primária, atenção básica e saúde da família: sinergias e singularidades no contexto brasileiro. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 22, n. 6, p. 1171-1181, 2006.

GIRARDI S. N. & CARVALHO C. L. Contratação e Qualidade do Emprego no Programa de Saúde da Família no Brasil. Brasil. Ministério da Saúde. Observatório de recursos humanos ou saúde no Brasil: estudos e análises. Rio de Janeiro, FIOCRUZ, 2003. P.157-190, tab.

NOGUEIRA, R.P. O desenvolvimento federativo do SUS e as novas modalidades institucionais de gerência das unidades assistenciais. Gestão Pública e Relação Público Privado na Saúde. Cebes, Rio de Janeiro, pags. 24 a 47 -2010.

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PAIM, J. S. & TEIXEIRA, C. F. Configuração institucional e gestão do Sistema Único de Saúde: problemas e desafios. Ciência & Saúde Coletiva, 12(Sup):1819-1829, 2007. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/csc/v12s0/05.pdf. Acesso em: 15 de abril de 2013. SALGADO, V.A. B; ALMEIDA, V.J. Administração pública democrática - Gradiente das formas jurídico-institucionais de atuação do poder executivo. In: Castro, A.C.B.; Antero, S.A.

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Gestão “público e privada” na ABS: uma análise a partir do PMAQ

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SESTELO, J.A.F.; SOUZA, L.E.P.F.; BAHIA, L. Saúde suplementar no Brasil: abordagens sobre a articulação público/privada na assistência à saúde. Cad. Saúde Pública, vol.29, nº.5.Rio de Janeiro,maio, 2013.

STARFIELD, B. Atenção primária: equilíbrio entre a necessidade de saúde, serviços e tecnologias. Brasília: UNESCO, 2002.

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ANEXOS

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ANEXO A

QUADRO 1 Categorias dos agentes contratantes dos coordenadores das equipes de atenção básica do PMAQ. Brasil, 2012. Categorias

Modelos

Publico – Administração direta

Ministérios, Secretárias de Estado e Municipais

Publico – Administração indireta

Consórcios Intermunicipais de Direito Público e Privado, Fundação Pública de Direito Público e Privado

Privado - Lucrativo

Empresas

Privado - Não lucrativo

OS, OSCIP, ONG, Entidade Filantrópica

Outros

Cooperativa

Fonte: Elaboração própria, NESCON, 2013.

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ANEXO B

GRÁFICO 1 Distribuição da natureza jurídica de acordo com as regiões do Brasil. Brasil, 2012.

Fonte: Elaboração própria, NESCON, 2013.

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ANEXO C TABELA 1 Associação entre o tipo de Agente Contratante e o nível de certificação da equipe e acordo com as subdimensões da gestão do trabalho. Brasil, 2012. Variáveis

Agente Contratante - n (%)

Certificaçã o Ótimo

A.D.

A.I.

P.N.L.

P.L.

Outros

449 (3,90)

56(4,12)

82 (5,49)

9 (4,52)

45 (4,71)

724 (53,27)

792 (53,01)

112 (56,28)

518 (54,18)

579 (42,60)

620 (41,50)

78 (39,20)

393 (41,11)

123 (9,05)

347 (23,23)

18 (9,05)

55 (5,75)

574 (42,24)

437 (29,25)

81 (40,70)

417 (43,62)

662 (48,71)

710 (47,52)

100 (50,25)

484 (50,63)

204 (15,01)

189(12,65)

30 (15,08)

162 (16,95)

587 (43,19)

619 (41,43)

89 (44,72)

416 (43,51)

568 (41,80)

686 (45,92)

80 (40,20)

378 (39,54)

222 (16,34)

294 (19,68)

33 (16,58)

194 (20,29)

429 (31,57)

494 (33,07)

73 (36,68)

276 (28,87)

708 (52,10)

706(47,26)

93 (46,73)

486 (50,84)

232 (17,07)

193 (12,92)

29 (14,57)

156 (16,32)

531 (43,86)

623 (41,70)

83 (41,71)

383 (40,06)

596 (39,07)

678 (45,38)

87 (43,72)

417 (43,62)

166 (12,21)

154 (10,31)

13 (6,53)

115 (12,03)

621 (45,70)

660 (44,18)

109 (54,77)

442 (46,23)

572 (42,09)

680 (45,51)

77 (38,69)

399 (41,74)

1359

1494

199

956

6244

Planejamento das ações

Bom

(54,29)

Regular

(41,81)

4808

Ótimo Organização dos Prontuários e Informatização

1063 (9,24) 4690

Bom

(40,78)

Regular

(49,98)

Ótimo

(17,53)

Bom

(41,65)

Regular

(40,82)

5748

2016

Organização da agenda

4790

4695

2191

Ótimo Territorialização e População de Referência

(19,05) 3581

Bom

(31,14) 5729

Regular

(49,81) 1892

Ótimo Acolhimento à Demanda Espontânea

(16,45) 4589

Bom

(39,90) 5020

Regular

(43,65) 1359

Ótimo

(11,82) 5330

Visita Domiciliar

Bom

(46,34) 4812

Regular Total

-

(41,84)

11501

pa

0,241

0,001

0,001

0,410

0,870

0,301

-

Fonte: Elaboração própria Nota: a – Teste Qui-Quadrado; AD -> Administração Direta; AI -> Administração Indireta; PNL -> Privado Não Lucrativo; PL -> Privado Lucrativo.

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