Organizadoras Mariana Pithon Nathalia Campos. Poemas russos. Belo Horizonte FALE/UFMG

September 17, 2017 | Author: Roberto Felgueiras César | Category: N/A
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Organizadoras

Mariana Pithon Nathalia Campos

Poemas russos

Belo Horizonte FALE/UFMG 2011

Diretor da Faculdade de Letras

Luiz Francisco Dias Vice-Diretora

Sandra Maria Gualberto Braga Bianchet Comissão editorial

Eliana Lourenço de Lima Reis Elisa Amorim Vieira Fabio Bonfim Duarte Lucia Castello Branco Maria Cândida Trindade Costa de Seabra Maria Inês de Almeida Sônia Queiroz Capa e projeto gráfico

Glória Campos Mangá – Ilustração e Design Gráfico Preparação de originais

Mariana Pithon Nathalia Campos Diagramação

Mariana Pithon Nathalia Campos Revisão de provas

Mariana Pithon Nathalia Campos Endereço para correspondência

Laboratório de Edição – FALE / UFMG Av. Antônio Carlos, 6.627 – sala 4081 31270-901 – Belo Horizonte / MG Telefax: (31) 3409-6072 e-mail: [email protected] www.letras.ufmg.br/labed

Revolução de Outubro não pode deixar de influenciar o meu trabalho uma vez que me privou da biografia, da sensação de importância pessoal. Eu lhe sou grato por ela ter acabado de uma vez por todas com o bem-estar intelectual e a sobrevivência baseada em renda proveninete da cultura... À semelhança de muitos outros, eu me sinto devedor da revolução, mas lhe ofereço algo de que ela por enquanto não está necessitando. Óssip Mandelstam

“Toda a carne, à meia-noite, silenciará. e a voz da primavera renunciará, correndo, que, apenas amanheça o dia, a morte estará vendida, pelo esforço da Ressurreição” Boris Pasternak

Sumário



11

Itinerário para uma antologia de poesia russa



Nathalia Campos

Sóis 17

Canção Báquica



Alexander Púchkin





Tradução de José Casado

18

Manhã de inverno



Alexander Púchkin





Tradução de José Casado

19

Nacos de nuvem



Vladímir Maiakóvski





Tradução de Augusto da Campos

20



A extraordinária aventura vivida por

Vladímir Maiakóvski no verão na datcha



Vladímir Maiakóvski



Tradução de Augusto da Campos



24

“O sol é um só. Por toda parte caminha”



Marina Tsvetáieva



Tradução de Aurora Foroni Bernardini



25

“O lavrador, abandonando a enxada”



Vielimir Khlébnikov



Tradução de Marco Lucchesi

Eu, Rússia

29

A Tchaadáev



Alexander Púchkin



Tradução de José Casado



30

Fábrica



Alexander Blok Tradução de Boris Schnaiderman e



Haroldo de Campos



31

De transfiguração



Sierguéi Iessiênin



Tradução de Augusto de Campos



32

De O presente: Vozes e cantos da rua

O Poeta

Alexander Púchkin Tradução de José Casado



48

A um poeta



Alexander Púchkin



Tradução de José Casado



Vielimir Khlébnikov Tradução de Augusto de Campos e



Boris Schnaiderman



“Não estás mais entre os vivos”



34

Presságios







47



49

O eco



Alexander Púchkin Tradução de José Casado

50

Um momento ergui a mim, obra extra-humana



Anna Akhmátova



Alexander Púchkin



Tradução de Lauro Machado Coelho



Tradução de José Casado



35

Recusa





Vielimir Khlébnikov





Tradução de Boris Schanaiderman





36

A Era



Óssip Mandelstam



Tradução de Haroldo de Campos



37

“Vivemos sem sentir”



Óssip Mandelstam



Tradução de Boris Schnaiderman



38

De Primavera em Leningrado



51

“Para meus versos escritos num repente” Marina Tsvetáieva Tradução de Aurora Fornoni Bernardini

52

Eu



Vladímir Maiakóvski



Tradução de Haroldo de Campos



53

“Hoje de novo sigo a senda”



Vielimir Khlébnikov



Tradução de Augusto de Campos



Margarita Aliguer





Tradução de Haroldo de Campos



Marina Tsvetáieva



Tradução de Aurora Fornoni Bernardini



39

Resposta tardia



Anna Akhmátova



Tradução de Lauro Machado Coelho



40

De “O vento da guerra”



Anna Akhmátova





Tradução de Lauro Machado Coelho

41

Terra natal



Anna Akhmátova



Tradução de Lauro Machado Coelho



42

Réquiem: um ciclo de poemas



Anna Akhmátova





Tradução de Lauro Machado Coelho

43

Oração



54

55



Poesia Boris Pasternak





“Que vou fazer, cego e enteado”

Tradução de Haroldo de Campos

56

De “V Internacional”



Vladímir Maiakóvski



Tradução de Augusto de Campos



57

“Pobre escrevinhador, é tua”



Sierguéi Iessiênin



Tradução de Augusto de Campos



58

“Ah, se eu antes soubera desta sina”



Boris Pasternak



Anna Akhmátova



Tradução de Boris Schnaiderman e



Tradução de Lauro Machado Coelho



Haroldo de Campos

Insônia

Versos a Blok

61



Eu e a Rússia



Vielimir Khlébnikov





Tradução de Marco Lucchesi





62

“Meninas, aquelas que passam”



Vielimir Khlébnikov



Tradução de Marco Lucchesi



63

Eu visitei o poeta



Anna Akhmátova



Tradução de Lauro Machado Coelho

Versos a Púchkin

67

“Na mão – um pássaro que cala”





Tradução de Aurora Fornoni Bernardini



Alexander Púchkin Tradução de José Casado

90

“Eu vos amei. Ainda talvez vivo”

Anna Akhmátova

Tradução de José Casado

Tradução de Lauro Machado Coelho



Os homens quando amam Tradução de Marco Lucchesi

Versos a Maiakóvski A morte do poeta



Boris Pasternak



Tradução de Haroldo de Campos

74

O tu e o vós

Alexander Púchkin





89





Vielemir Khlébnikov

73

“Insônia! Amiga minha!”



À cidade de Puchkín





Tradução de Augusto de Campos

85

Dois



69

Óssip Mandelstam

Marina Tsvetaiéva

Tradução de Aurora Fornoni Bernardini



“Insônia. Homero. Velas rijas. Naves”







Tradução de José Casado

84







Alexander Púchkin



Marina Tsvetáieva

68

Versos compostos durante uma noite de insônia







83

A Vladímir Maiakóvski

91

“Quando esse esbelto corpo teu”



Alexander Púchkin



Tradução de José Casado



92

“De nobre espanhola diante”



Alexander Púchkin



Tradução de José Casado



93

LÍLITCHKA! Em lugar de uma carta



Vladímir Maiakóvski



Tradução de Augusto de Campos



95

“Uma vez mais, uma vez mais”



Marina Tsvetáieva



Vielimir Khlébnikov



Tradução de Haroldo de Campos



Tradução de Augusto de Campos

Vida

77

“Vida, dom vão e fortuito”



Alexander Púchkin



Tradução de José Casado



78

Elegia



Alexander Púchkin



Tradução de José Casado



79

À vida

96

“Num mundo, onde cada”



Marina Tsvetáieva



Tradução de Aurora Fornoni Bernardini



97

Fragmentos



Vladímir Maiakóvski



Tradução de Augusto de Campos



99

De “ As roseiras silvestres florescem”



Anna Akhmátova



Tradução de Lauro Machado Coelho



Marina Tsvetáieva





Tradução de Haroldo de Campos



Alexander Púchkin



Tradução de José Casado

100

A carta incinerada



101



A flauta vértebra Prólogo



Vladímir Maiakovski



Tradução de Boris Schnaiderman e



Haroldo de Campos

Itinerário para uma antologia de poesia russa

Separação

105

“Até logo, companheiro”



Sierguéi Iessiênin





Tradução de Augusto de Campos

106

Canção do último encontro



Anna Akhmátova





Tradução de Lauro Machado Coelho

107

“Raramente penso em ti”



Anna Akhmátova



Tradução de Lauro Machado Coelho

Vanguarda

111

A escolha da poesia russa para um projeto de edição veio, num primeiro momento, do desejo de visitar novas paragens, para além do circuito das

Usina cindida

línguas mais largamente traduzidas no Brasil, como o espanhol e o francês



Alieksiéi Krutchônikh



Tradução Boris Schnaiderman e

(entre as demais línguas latinas), e o inglês. A necessidade de transpor as



Haroldo de Campos

fronteiras do “acostumado” foi a de buscar em produções poéticas que por



112

A Plenos Pulmões



Vladímir Maiakovski



Tradução de Haroldo de Campos



118 Inverno

aqui ainda correm subterrâneas e à margem, como no caso da russa, um respiro, e, em se tratando de uma antologia de poesia, de não se repetir. Ao travar conhecimento com o trabalho de tradução de poesia russa realizado pelos irmãos Augusto e Haroldo de Campos, em parceria



Alieksiéi Krutchônikh



Tradução Boris Schnaiderman e

com Boris Schnaiderman, percebemos estar diante de uma seara literária



Haroldo de Campos

maior e mais vasta do que supúnhamos a princípio. Muitos dos nomes

Apêndice

123



que já faziam parte de nosso repertório, como Maiakóvski (sob a repuTradução poética: consciência do

tação de “poeta do comunismo”, e que nos atingia, sobretudo, através

impossível ou o esforço de recriar?

de sua biografia) e Boris Pasternak (que conhecíamos de Doutor Jivago,





Mariana Pithon

127



Haroldo de Campos e a transcriação da Poesia Russa Moderna





Boris Schnaiderman

137

Carta de Marina Tsvetáieva a André Gide



sobre a tradução de um poema de Púchkin



145

Vida-escrita



152

Referências

mas cuja produção poética ignorávamos), revelaram-se grandes surpresas, uma vez lidos e observados mais a fundo. Outros que conhecíamos bem pouco, como Anna Akhmátova, e outros que desconhecíamos por completo, também nos foi possível ler, em grande parte, nas antologias organizadas pelos Campos e por Schnaiderman – Antologia de poesia russa moderna, publicada pela Editora Brasiliense, em 1968, e Poemas de Maiakóvski, pela Perspectiva, em 1982. De início, foi preciso um levantamento das publicações de poesia russa, e, a fim de que pudéssemos nos cercar do maior número possível

de referências, não restringimos o universo às obras traduzidas em língua

nosso objetivo inicial. Já havíamos verificado a existência de uma certa

portuguesa. A essa etapa, seguiu-se uma intensa pesquisa sobre a tradu-

“poética russa”, em especial nos textos da era soviética, pela patente

ção do idioma russo, em particular da poesia: a experiência daqueles que

recorrência de certos temas, também desenvolvidos sobre um painel

a encabeçam no Brasil; as questões históricas acerca de sua tradução,

sócio-histórico-cultural comum. Dessa forma, os poemas constituíam um

a exemplo da tradução indireta do russo (que passava pelo francês, em

conjunto – o que naturalmente está ligado a um aspecto cronológico e ao

geral realizada por literatos), prática corrente sobretudo durante o século

contexto de uma época – rico em sua multiplicidade de vozes e olhares, e

XIX; as considerações estéticas a respeito da língua russa trabalhada em

que parece estar, direta ou indiretamente, em permanente diálogo.

dimensões poéticas etc.

Nas páginas que se seguem, além do resultado desse trabalho de

Como não poderia deixar de ser, em meio a esse percurso de leitu-

seleção, o leitor poderá ainda conhecer um pouco mais sobre o processo

ras obrigatórias – muitas vezes sugeridas e monitoradas pela professora

de tradução empreendido pelos irmãos Campos e por Boris Schnaiderman,

Sônia Queiroz –, que nos serviram de estofo teórico para chegar a um

assim como outros tradutores de poesia russa; uma breve biografia dos

projeto editorial de uma antologia de poesia russa em língua portuguesa,

autores que compõem essa antologia e um panorama da poesia russa a

buscamos mergulhar nos universos poéticos dos autores lidos, das fun-

partir da Idade de Ouro até a atualidade, em que se destacam grupos de

dações da literatura russa moderna, com Alexander Púchkin, à poesia

poetas como “Babylon”; além de uma sugestão de bibliografia relacio-

soviética e pós-soviética (de que há grande escassez de material dispo-

nada ao tema.

nível traduzido em outras línguas), sempre tentadas a visitar a história

Belo Horizonte, dezembro de 2009

russa, da qual esses nomes são importantes testemunhas e agentes. O contato com outras expressões artísticas, como a pintura de vanguarda

Nathalia Campos

e a música erudita russas, mantendo relação com o contexto em que se movem essas personagens, também se somou à experiência como um ingrediente de imersão. Finalmente, abastecidas de extensa leitura e num estado de profunda contaminação pelas verves poéticas russas, vimo-nos diante da difícil tarefa de selecionar, entre uma vastidão de textos, aqueles que integrariam essa antologia. De imediato, constatamos o óbvio: a necessidade de eleger, ou melhor, conceber um critério (ou mais de um), para além do impressionismo de nosso gosto, que norteasse e justificasse nossas escolhas. Tal necessidade, agravada pela exclusão do recorte temporal como possível critério (adotado em Poesia russa moderna e predominante na maior parte das publicações que se propõem a um panorama da produção de um determinado autor ou de uma expressão literária), uma vez que nossa intenção era desenvolver algo diferente daquilo já realizado, levaram-nos à opção por um critério temático de seleção. A seleção de poemas por tema não foi, entretanto, uma decisão baseada unicamente na ausência de um outro critério condizente com 12





Itinerário para uma antologia de poesia russa

13

Sóis O sol é uma imagem constante na poesia russa. Seja como astro reverenciado dentro da cultura de um país acostumado a gélidas temperaturas; seja assumindo a roupagem de ícone do comunismo; seja, ainda, o sol metafísico da poesia, ou o símbolo de uma exterioridade ao poema no momento em que vem à luz.

Canção Báquica Alexander Púchkin Tradução de José Casado

Que fez calar a alegre voz? Ressoai, canções licenciosas! Bem-vindas, moças carinhosas E esposas tão jovens que amáveis a nós! As taças enchei sem tardança! No vinho a espumar, No fundo, o jogar Vinde (e ouvi-las soar) cada aliança! Cada taça se erga, de vez seja finda! Bem-vindas, ó musas; Razão, sê bem-vinda! Astro sagrado, arde tu, sol! Como o lampião empalidece Ao claro surgir do arrebol, Assim o saber falso hesita e esvanece Ante o imortal sol da Razão. Bem-vindo sê tu, sol; vai-te negridão! 1825



Canção Báquica

17

Manhã de inverno

Nacos de nuvem

Alexander Púchkin Tradução de José Casado

Vladímir Maiakóvski Tradução de Augusto da Campos

Há frio e sol: que manhã linda! Tu, meu primor, dormes ainda. É tempo, ó bela, de acordar. Desvenda o olhar que o torpor cerra, Encara a aurora sobre a terra Qual fosses novo astro polar!

No céu flutuavam trapos de nuvem – quatro farrapos; do primeiro ao terceiro – gente; o quarto – um camelo errante. A ele, levado pelo instinto, no caminho junta-se um quinto.

À noite, neve e tempestade Houve e, no céu, névoa, verdade? A mancha lívida do luar Nos nimbos era amarelada. Tristonha estavas e sentada; E ora... à janela vem olhar:

Do seio azul do céu, pé-antepé, se desgarra um elefante. Um sexto salta – parece. Susto: o grupo desaparece.

Ao claro azul do céu que esplende, Tapete raro que se estende, A neve jaz a fulgurar; O bosque, só, sobressai, preto; Verdeja, sob a geada, o abeto; Sob gelo, eis a água a lucilar.

E em seu rasto agora se estafa o sol – amarela girafa. 1917-1918

Faz-se ambarino o quarto inteiro. Vem estalido prazenteiro Do recém-aceso fogão. Meditar perto dele é grato. Mas dize: queres que, neste ato, A poldra parda atrele, não? A deslizar na neve, amada, Dar-nos-emos à galopada Do equino e sua agitação. Iremos ver os nus e imensos Campos, faz pouco inda tão densos, E a praia de minha afeição. 1829

18

Sóis



Nacos de nuvem

19

A extraordinária aventura vivida por Vladímir Maiakóvski no verão na datcha1 Vladímir Maiakóvski Tradução de Augusto da Campos (Púchkino, monte Akula, datcha de Rumiántzev, a 23 verstas2 pela estrada de ferro de Iaroslávl)

A tarde ardia com cem sóis. O verão rolava em julho. O calor se enrolava no ar e nos lençóis da datcha onde eu estava. Na colina de Púchkino, corcunda, o monte Akula, e ao pé do monte a aldeia enruga a casca dos telhados. E atrás da aldeia, um buraco e no buraco, todo dia, o mesmo ato: o sol descia lento e exato. E de manhã outra vez por toda a parte lá estava o sol escarlate. Dia após dia isto começou a irritar-me terrivelmente. Um dia me enfureço a tal ponto que, de pavor, tudo empalidece. E grito ao sol, de pronto: “Desce! Chega de vadiar nessa fornalha!”

1

Datcha

2

Versta

20

– casa de veraneio. (N.T.) – medida itinerária equivalente a 1067m. (N.T.) Sóis

E grito ao sol: “Parasita! Você, aí, a flanar pelos ares, e eu aqui, cheio de tinta, com a cara nos cartazes! E grito ao sol: “Espere” Ouça, topete de ouro, e se em lugar desse ocaso de paxá você baixar em casa para um chá?” Que mosca me mordeu! É o meu fim! Para mim sem perder tempo o sol alargando os raios-passos avança pelo campo. Não quero mostrar medo. Recuo para o quarto. Seus olhos brilham no jardim. Avançam mais. Pelas janelas, pelas portas, pelas frestas, a massa solar vem abaixo e invade a minha casa. Recobrando o fôlego, me diz o sol com voz de baixo: “Pela primeira vez recolho o fogo, desde que o mundo foi criado. Você me chamou? Apanhe o chá, pegue a compota, poeta!” Lágrimas na ponta dos olhos - o calor me fazia desvairar eu lhe mostro o samovar: “Pois bem, sente-se astro!”

A extraordinária aventura vivida por Vladímir Maiakóvski no verão na datcha

21

Quem me mandou berrar ao sol insolências sem conta? Contrafeito me sento numa ponta do banco e espero a conta com um frio no peito. Mas uma estranha claridade fluía sobre o quarto e esquecendo os cuidados começo pouco a pouco a palestrar com o astro. Falo disso e daquilo, como me cansa a Rosta1, etc. E o sol: “Está certo, mas não se desgoste, não pinte as coisas tão pretas. E eu? Você pensa que brilhar é fácil? Prove, pra ver! Mas quando se começa é preciso prosseguir e a gente vai e brilha pra valer!” Conversamos até a noite, ou até o que, antes, eram trevas. Como falar, ali, de sombras? Ficamos íntimos, os dois. Logo, com desassombro, estou batendo no seu ombro. E o sol, por fim: “Somos amigos pra sempre, eu de você, você de mim. Vamos, poeta, 1

cantar, luzir, no lixo cinza do universo. Eu verterei o meu sol e você o seu com seus versos.” O muro das sombras, prisão das trevas desaba sob o obus dos nossos sóis de duas bocas. Confusão de poesia e luz, chamas por toda a parte. Se o sol se cansa e a noite lenta quer ir pra cama, marmota sonolenta, eu, de repente, inflamo a minha flama e o dia fulge novamente. Brilhar para sempre. brilhar como um farol, brilhar com brilho eterno, gente é pra brilhar, que tudo mais vá pro inferno, este é o meu slogan e o do sol. 1920

Rosta – A Agência Telegráfica Russa, para a qual Maiakóvski executou cartazes satíricos de notícias – as “janelas” Rosta –, de 1919 a 1922. (N.T.)

22

Sóis

A extraordinária aventura vivida por Vladímir Maiakóvski no verão na datcha

23

Marina Tsvetáieva Tradução de Aurora Foroni Bernardini

Vielimir Khlébnikov Tradução de Marco Lucchesi

O lavrador, abandonando a enxada, Contempla o voo de um corvo E diz: em sua voz ressoa A Guerra de Troia, A ira de Aquiles, O pranto de Hécuba, enquanto voa sobre nossas cabeças. Na mesa empoeirada O acaso criou na poeira Seus estranhos desenhos. Diz um menino curioso: Essa poeira talvez é Moscou E essa talvez é Chicago ou Pequim. A rede de um pescador Entrama as capitais da Terra Nos laços da poeira, Nas malhas dessa melodia. E a noiva não desejando Manter a poeira das unhas afirma ao limpá-las: Esplendem na poeira Vivos Sóis e tantos mundos De todo inatingíveis, Fechados na matéria fria. E Sirius resplandece sob as unhas Rompendo com seu brilho a escuridão.

O sol é um só. Por toda parte caminha. Não o darei a ninguém. Ele é coisa minha. Nem por um raio. Nem por um olhar. Nem por um instante. A ninguém. Nunca. Que morram as cidades numa noite constante! Nos braços vou apertar, que não possa girar! Faço as mãos, os lábios, o coração queimar! Se desaparecer na noite infinita, no encalço hei de correr... Meu sol! A ninguém o darei! fevereiro de 1919

24

Sóis



“O lavrador, abandonando a enxada,”

25

Eu, Rússia O elo que liga os russos à pátria transcende o nacionalismo. Para além de uma feição matricial, a pátria ganha, a um tempo, os contornos de Babel e de Sião, lugar da heterogeneidade e do cosmopolitismo; da familiaridade e do aconchego. Se nela, de corpo presente, os russos são capazes de olhar a Rússia com a distância de cidadãos do mundo; se ausentes, louvam-na como se a tivessem inscrita em si. De qualquer forma, parecem estar sempre voltando para casa, onde se confundem intimidade e estranheza; origem e expatriação. A identidade que se revela na poesia é, portanto, mais do que nacional – aquela que pretexta efusões revolucionárias e

consciência

social.

Por

vezes,

ela

se

afigura

anterior,

fundamental, amalgamada a um “eu” que não se define longe dela. Esse é um traço vivamente presente na dicção poética verificada nestes poemas, que aponta, talvez, para essa identidade como um tema intrínseco, por assim dizer.

A Tchaadáev1 Alexander Púchkin Tradução de José Casado

Amor, glória quieta e esperança Foram nossa breve ilusão; Passou dessa quadra a folgança: Sono, matinal cerração. Mas arde em nós inda vontade: Nosso impaciente coração Da pátria sob autoridade Fatal ouve a convocação. Aguardamos com fé estuante Da hora da liberdade soar, Tal como aguarda o moço amante A hora do encontro regular. Enquanto o ardente coração Incitam honra e liberdade, Do íntimo a nobre agitação Demos à pátria, amigo, e à idade. Crê, camarada: elevar-se-á Feliz estrela de almo dia; Do sono a Rússia acordará E na aversão da autocracia Teu nome e o meu escreverá. 1818

1

Trata-se de P. Ia. Tchaadáev (1794-1856), pensador russo, crítico da autocracia czarista, um dos amigos mais velhos de Púchkin, que lhe dedicou ainda outras obras. ( N. T.)



A Tchaadáev

29

De transfiguração

Fábrica

Sierguéi Iessiênin Tradução de Augusto de Campos

Alexander Blok Tradução de Boris Schnaiderman e Haroldo de Campos

No prédio há janelas citrinas E à noite – quando cai a noite, Rangem aldravas pensativas, Homens aproximam-se afoitos.

Ei, russos! Pescadores do universo, Na rede da aurora colhendo o céu – Troai as trompas!

E os portões fechados, severos; Do muro – do alto do muro, Alguém imóvel, alguém negro Numera os homens sem barulho.

Sob a charrua do raio Ruge a terra Rompe os penhascos a auridente Relha.

Eu, dos meus cimos, tudo ouço: Ele os chama, com voz de aço, Costas curvas, sofrido esforço. O povo aglomerado em baixo.

Novo semeador Erra pelos campos. Novas sementes Arroja aos sulcos.

Eles hão de entrar à porfia, Hão de pôr às costas o fardo. Riso nas janelas citrinas: Tapearam os pobres-diabos.

Um hóspede-luz Vem num coche. Corre entre as nuvens Uma égua. Sela da égua − Azul. Sinos da sela − Estrelas.

1903

1917

30

Eu, Rússia



De transfiguração

31

Povo, Põe, Põe, Povo, Põe o tzar branco, Põe o tzar branco!O tzar branco! O tzar branco! – O tzar! E nós? – E nós olhamos, e nós, nós olhamos! Tzares, tzares tremem! Eles tremem, tremem!

De O presente: Vozes e cantos da rua Vielimir Khlébnikov Tradução de Augusto de Campos e Boris Schnaiderman

Tzares, tzares tremiam, Tzares, tzares tremem! Para o ô Para o oco da foice Patrões, Para o ô, Para o oco Tzares, O tzar, O tzar, O povo, O po, O povo, Ferreiro, Malha, Malhador. A rou, A roupa Rapa Dos patrões, Para o ô, para o ô, os tzares Rapa E põe O povo. Malha, Malhador, Os tza Os tzares Para o oco E que se dani Fiquem Na Sibé, Na Sibéria lá nos mon, Nos montí, Tículos brancos de neve.Patrões, patrões põe Põe, põe,

32

Eu, Rússia

O grão duque O quê? É agora? (Olha para o relógio) Sim, está na hora! 1921



De O presente: Vozes e cantos da rua

33

Recusa Anna Akhmátova Tradução de Lauro Machado Coelho

Vielimir Khlébnikov Tradução de Boris Schanaiderman

Não estás mais entre os vivos. Da neve não podes erguer-te. Vinte e oito baionetadas. Cinco buracos de bala.

Agrada-me bem mais Olhar estrelas Do que assinar sentenças De morte. Agrada-me bem mais ouvir a voz das flores Que, murmurando é ele, Meneiam as corolas Quando o jardim Do que ver os escuros Fuzis da guarda matarem quantos querem Matar-me – Por isso não serei – jamais – um governante.

Amarga camisa nova cosi para o meu amado. Esta terra russa gosta, gosta do gosto de sangue. 16 de agosto de 1921

1922

34

Eu, Rússia



Recusa

35

A Era Óssip Mandelstam Tradução de Haroldo de Campos

Óssip Mandelstam Tradução de Boris Schnaiderman

Minha era, minha fera, quem ousa, Olhando nos teus olhos, com sangue, Colar a coluna de tuas vértebras? Com cimento de sangue – dois séculos – Que jorra da garganta das coisas? Treme o parasita, espinha langue, Filipenso ao umbral de horas novas.

Vivemos sem sentir a Rússia embaixo, não se ouvem nossas vozes a dez passos. Mas onde houver meia conversa – sempre se há de lembrar o montanhês do Kremlin. Seus grossos dedos são vermes obesos; e as palavras – precisas como pesos.

Todo ser enquanto a vida avança Deve suportar esta cadeia Ocultoa de vértebras. Em torno Jubila uma onda. E a vida como Frágil cartilagem de criança Parte seu ápex: morte da ovelha, A idade da terra em sua infância.

Sorri – largos bigodes de barata; e as longas botas brilham engraxadas. Rodeiam-no cascudos mandachuvas; seu jogo: os meio-homens que subjuga. Um assobia, um rosna, um outro mia, só ele é quem açoita, quem atiça

Junta as partes nodosas dos dias: Soa a flauta, e o mundo está liberto, Soa a flauta, e a vida se recria. Angústia! A onda do tempo oscila Batida pelo vento do século. E a víbora na relva respiração O ouro da idade, áurea medida.

E prega-lhes decretos-ferraduras na testa ou no olho, na virilha ou nuca. Degusta execuções como quem prova uma framboesa, o osseta de amplo tórax.

Vergônteas de nova primavera! Mas a espinha partiu-se da fera, Bela era lastimável. Era, Ex-pantera flexível, que volve Para trás, riso absurdo, e descobre Dura e dócil, na meada dos rastros, As pegadas de seus próprios passos.

1934

1923

36

Eu, Rússia



“Vivemos sem sentir a Rússia embaixo,“

37

De Primavera em Leningrado

Resposta tardia

Margarita Aliguer Tradução de Haroldo de Campos

Anna Akhmátova Tradução de Lauro Machado Coelho

No curso daquele longo inverno você repetia, voz serena, esmagando-lhe a treva de ferro: “Resistiremos. Somos de pedra”.

Minha negra princesa das brancas mãos Marina Tsvetáieva

Invisível, dúbia, brincalhona, tu que te escondes nos negros arbustos e te encolhes no abrigo do estorninho, tu que ressurges nas cruzes depredadas e gritas do alto da torre Marinkina: “Hoje estou voltando para casa. Estimai-me, campos meus natais, pelo que me aconteceu: o abismo engoliu os meus parentes, a casa de meu pai se arruinou.” Juntas, hoje, nós vamos, Marina, Moscou afora, pela noite adentro. E como nós seguem-nos milhões, no mais silencioso dos cortejos, enquanto em volta tange o sino fúnebre e geme intenso o turbilhão de neve, de nossos passos recobrindo a marca.

Estreitava-se o anel venenoso. O inimigo sempre mais chegado. Podíamos vê-lo rosto a rosto, feroz, como fazem os soldados. Leningrado sem luz e sem água! Rações de pão:cento e vinte gramas... Como animal ferido o céu gane, céu mortiço, nuvens estagnadas. As pedras suspiram, lajes ringem, e a gente encontra força e vive. Os mortos se empilham, um a um, guerreiros numa cova comum. Afinal cansou-se o próprio inverno. Os turvos horizontes se abriram. E surgem casas negras do inferno das bombas. Mortas. Não resistiram. E vamos nós dois passando pontes sob a asa triunfal de maio, você se alegrava sem dar conta do porquê desse sentir-se gaio. Uma nuvem mostrou-se no alto, uma brisa esfriou-nos os lábios. Falávamos ambos num sussurro do tempo passado e do futuro. Vadeamos uma longa treva, passamos pelas balas em crivo: Você dizia: “Somos de pedra”. É mais do que pedra.

1940, Casa Fontán, Krásnaia Konitsa

Estamos vivos. 1942

38

Eu, Rússia



Resposta tardia

39

De “O vento da guerra”

Terra natal

Anna Akhmátova Tradução de Lauro Machado Coelho

Anna Akhmátova Tradução de Lauro Machado Coelho Não há no mundo seres tão sem lágrimas nem tão simples e orgulhoso quanto nós

3

1922

O primeiro projétil de longo alcance atinge Leningrado

Não ao levamos no peito qual secreto escapulário nem cantamos em chorosos versos. Nossos amargos sonhos ela não chega a perturbar nem nos parece ser o paraíso prometido. Não a convertemos, bem no fundo da alma, em algo que se possa comprar ou vender. Nem mesmo quando enferma, no desastre ou emudecida, chegamos a nos lembrar dela. Sim, para nós ela não passa de lama nas galochas, sim, para nós ela não passa de poeira nos dentes. E a amassamos, moemos, trituramos, como se não nos misturássemos a seu pó. Mas é nela que nos deitaremos, nela nos converteremos, e é por isso que tão livremente a chamamos “nossa”.

E o multicolorido ruído da multidão calou-se de repente. Mas não era um som típico da cidade, e tampouco do campo, esse longíquo estrondo que mais parecia ser o irmão gêmeo do trovão. Se bem que, no trovão, há a umidade das nuvens, altas e frescas, e o desejo das campinas de que venha um alegre aguaceiro. Neste havia só um calor seco, escorchante; mas não quisemos acreditar nesse rumor que ouvíamos – porque ele crescia e aumentava e se expandia, e por causa da indiferença com que trazia a morte a meu filho

1961, Leningrado,

no hospital perto do porto

setembro de 1941

40

Eu, Rússia



Terra natal

41

Réquiem: um ciclo de poemas

Oração

Anna Akhmátova Tradução de Lauro Machado Coelho

Anna Akhmátova Tradução de Lauro Machado Coelho

Manda-me amargos anos de doença, a febre, a insônia, a inquietação, leva de mim meu filho, meu amigo e o dom misterioso de cantar. Esta é a minha oração durante a Tua Liturgia: após as tormentas de tão longos dias, que a nuvem que pesou sombria sobre a Rússia transforme-se noutra nuvem, de gloriosos raios.

Réquiem Não, não foi sob um céu estrangeiro, nem ao abrigo de asas estrangeiras – eu estava bem no meio de meu povo, lá onde o meu povo infelizmente estava 1961

16 de maio, 1915, dia do

Espírito Santo Petersburgo.

Prólogo V Há dezessete meses de choro, chamando-te de volta para casa. Já me atirei aos pés de teu carrasco. És meu filho e meu terror. As coisas se confundem para sempre e não consigo mais distinguir, agora, quem a fera, quem o homem, e quanto terei de esperar até a tua execução Só o que me resta são flores empoeiradas e o tilintar do turíbulo e pegadas que levam de lugar nenhum a parte alguma. E bem nos olhos me olha, com a ameaça de uma morte próxima, uma estrela enorme. 1939

42

Eu, Rússia



Oração

43

O Poeta O “ser poeta” é inescapável para aquele que o é. Ele é o arauto das vozes anônimas que, juntas, compõem a sinfonia truncada do mundo; o ventríloquo do que precisa ser dito, mas não pode dizer-se a si mesmo. Nestes poemas, o poeta reflete sobre a sua dádiva, que é também a sua maldição (a “mal-dicção” da verdade, que lhe ocupa incansavelmente).

Presságios Alexander Púchkin Tradução de José Casado

Eu ia vê-la, e profusão De alegres sonhos me nascia; À mão direita a lua então, Ardente, a marcha me seguia. Eu já voltava, a profusão Era diversa: eu suspirava... À mão esquerda a lua então, Tristonha, a marcha me observava. Aos surtos da imaginação, Poetas, na calma, assim nos damos; Assim, da crendice os reclamos Convêm ao nosso coração. 1829



Presságios

47

A um poeta

O eco Alexander Púchkin Tradução de José Casado

Alexander Púchkin Tradução de José Casado

Não estimes, poeta, o amor da turbamulta. Passará o eco do exaltado louvor; Ouve o rir da alma fria e a máxima de estulta, Mas permanece firme e calmo e superior.

Se na floresta fera urrar, Se guampa ouvir-se ou trovão soar, Se moça além morro cantar, A cada som Tens ricochete no ermo ar, Súbito e bom.

És rei: por livre estrada (a ser nenhum consulta) Vai ao fim que a razão livre te faz propor; Frutos a aperfeiçoar da idéia amada, exulta, Sem prêmios exigir por proezas de valor.

Atenção prestas ao fragor, De onda e procela ao estridor, Aos gritos de um e outro pastor, O eco a atender; Não há fugir... Poeta, cantor, Tal é teu ser.

Acha-os em ti. És teu supremo tribunal; Julga tua criação do modo mais cabal. Contente dela estás, autocrítico atuante? Estás? Deves deixar que a chusma a ataque então, Cuspa no altar de sobre o qual vem teu clarão E a trípode te abale com pueril desplante.

1831

1830

48

O Poeta



O eco

49

Alexander Púchkin Tradução de José Casado

Marina Tsvetáieva Tradução de Aurora Fornoni Bernardini

Exegu monumentum.

Para meus versos escritos num repente, Quando eu nem sabia que era poeta, Jorrando como pingos de nascente, Como cintilas de um foguete,

Horácio( livroIII, ode XXX)

Um momento ergui a mim, obra extra-humana. Sua vereda o mato não há de ocultar. Eleva-se bem mais sua cúpula ufana Do que o alexandrino pilar.1

Irrompendo como pequenos diabos, No santuário, onde há sono e incenso, Para meus versos de mocidade e de morte, – Versos que ler ninguém pensa! –

Todo não morrerei: a alma que pus na lira As cinzas vencerá, da morte há de escapar; Fama no orbe terei que sob a lua gira Enquanto um poeta restar.

Jogados em sebos poeirentos (Onde ninguém os pega ou pegará) Para meus versos, como os vinhos raros, Chegará seu tempo.

Ouvirá sobre mim toda a Rússia grandiosa, Nela fará o meu nome a cada língua jus: O finês, o calmuco estépico, a orgulhosa Que herdou o eslavo, e a do tungus.

1913, Koktebel

E o povo me amará durante longa idade, Pois nobres propensões com a lira espertei, Pois num tempo cruel cantei a Liberdade E pelos caídos roguei. Ao chamado maior, sê, Musa, obediente, Sem ofensas temer, sem pedir galardão; Elogio e calúnia acolhe, indiferente, Nem dês ao paspalho atenção. 1836

1

“Do que alexandrino pilar, ou mais precisamente”, “do que a coluna alexandrina”. Referência à coluna de granito vermelho escuro que o czar Nicolai I fez inaugurar, no dia 30 de agosto de 1834, em honra de seu pai, o czar Alexandr I, que governava a Rússia em 1812 quando Napoleão Bonaparte a invadiu e foi dela expulso graças a resistência combinada do povo e do exército russo. O monumento, em cujo topo acha-se um anjo segurando numa das mãos uma cruz, escultura que se deve a Bóris Orlóvski, tem 47,5m

de altura e se localiza no Largo do Paço, em São Petesburgo. O projeto foi do arquiteto Auguste

Montferrand, as composições em relevo, de bronze, do pedestal foram executadas por Svintsov, Leppe e Balin tomando por base desenhos de Montferrand e de Giovanni Batista Scotti. Púchkin presenciara os trabalhos de instalação do monumento, mas não assistiu à inauguração, que se deu em meio a desfile de tropas ao som de música militar. (N. T.)

50

O Poeta



“Para meus versos escritos num repente,”

51

Eu Vladímir Maiakóvski Tradução de Haroldo de Campos

Vielimir Khlébnikov Tradução de Augusto de Campos

Nas calçadas pisadas de minha alma passadas de loucos estalam calcâneos de frases ásperas Onde forcas esganam cidades e em nós de nuvens coagulam pescoço de torres oblíquas só soluçando eu avanço por vias que se encruzi -lham à vista de crucifixos

Hoje de novo sigo a senda Para a vida, o varejo, a venda, E guio as hostes da poesia Contra a maré da mercancia. 1914

polícias 1913

52

O Poeta



“Hoje de novo sigo a senda”

53

Poesia Marina Tsvetáieva Tradução de Aurora Fornoni Bernardini

Boris Pasternak Tradução de Haroldo de Campos

Que vou fazer, cego e enteado, Num mundo em que cada um tem vista e pai, Onde entre anátemas, como sobre aterros – Há paixões? onde o choro Se chama – muco!

Poesia, minha voz, enrouquece De juras sobre ti: estertor, Não pose melíflua de cantor. Vagão de terceira no verão, Pareces. Subúrbio e não refrão.

Que vou fazer com o osso e o ofício De cantora? Qual despedida! queimadura! Sibéria! Entre meus delírios – como por uma ponte! Imponderáveis, Num mundo de pesos.

Abafas como Iamskaia1: és maio, Chevardin2, o reduto noturno, Onde nuvens exalam seus guais e se vão, cada qual por seu turno.

Que vou fazer, cantor e primogênito, Num mundo, onde o mais preto – é cinza! Onde guardam a inspiração numa garrafa térmica! Imensurável, Num mundo de medidas?!

E em dobro, pela trama dos trilhos, –– Arrabaldes não são estribilhos, – se rojam das estações à casa, Não cantando, formas hebetadas. Renovos que a chuva põe nos cachos Até de manhã, num fio contínuo, Pingam seus acrósticos do alto Enquanto lançam bolhas de rimas.

1923

Poesia, quando sob a torneira Um truísmo é um balde de folha Vazio, mais o jato se despeja. Eis o branco da página: jorra! 1922

1

Em muitas cidades russas, havia um bairro chamado Iamskaia Sloboda (arrebelde dos cocheiros), geralmente pobre e abafado. (N. T.)

2

Chevardinó é o nome da aldeia onde, em 24 de agosto de 1812, teve início a batalha de Borodinó, decisiva para o desfecho da campanha de Napoleão contra a Rússia. (N. T.)

54

O Poeta



Poesia

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De “V Internacional” Vladímir Maiakóvski Tradução de Augusto de Campos

Sierguéi Iessiênin Tradução de Augusto de Campos

Eu à poesia só permito uma forma: concisão, precisão das fórmulas matemáticas. Às parlengas poéticas estou acostumado, eu ainda falo versos e não fatos. Porém se eu falo “A” este “a” é uma trombeta-alarma para a Humanidade. Se eu falo “B” é uma nova bomba na batalha do homem.

Pobre escrevinhador, é tua A sina de cantar a lua? Há muito o meu olhar definho No amor, nas cartas e no vinho. Ah, a lua entra pelas grades, A luz tão forte corta os olhos. Eu joguei na dama de espadas E só me veio o ás de ouros. 1925

1922

56

O Poeta



“Pobre escrevinhador, é tua”

57

Boris Pasternak Tradução de Boris Schnaiderman e Haroldo de Campos

Ah, se eu antes soubera desta sina, Quando me preparava para a estreia, Que há morte nestas linhas, – assassinas!, como um golpe de sangue na traqueia. Os folguedos desta busca de avessos Eu deixaria, inúteis, de uma vez Já tão remoto o esforço do começo, Tão temeroso o primeiro interesse. Mas a velhice é Roma. Não lhe peça Que venha com estórias de ninar. Ela exige do ator mais que uma peça, Uma entrega total, um naufragar.

Versos a Blok Um

dos

grandes

inspiradores

de

toda

uma

geração

de

poetas, Alexandr Blok merece frequentes homenagens na poesia russa. Ao lado de Púchkin e Maiakóvski, constitui

Quando o verso é um ditado do mais íntimo, Ele imola um escravo em cena aberta. E aqui termina a arte, o pano fecha, Ao respirar da terra e do destino. 1932

58

O Poeta

uma espécie de “santíssima trindade” na poesia soviética, e é largamente visitado, da forma pura de um tributo à invocação.

Eu e a Rússia Vielimir Khlébnikov Tradução de Marco Lucchesi

A Rússia libertou milhares e milhares Um gesto nobre! Um gesto inesquecível! Mas eu tirei a camisa e cada arranha-céu espelhado de meus cabelos, cada ranhura da cidade do corpo expôs seus tapetes e tecidos de púrpura. As cidadezinhas e os cidadãos do Estado Mim juntavam-se às janelas dos cabelos. as olgas e os ígores, não por imposição mas para saudar o Sol, através da pele. Caiu a prisão da camisa! Nada mais fiz do que tirá-la. Estava nu junto ao mar. Dei Sol aos povos de Mim! Assim eu libertava milhares e milhares.



Eu e a Rússia

61

Eu visitei o poeta Anna Akhmátova Tradução de Lauro Machado Coelho

Vielimir Khlébnikov Tradução de Marco Lucchesi

Meninas, aquelas que passam calçando botas de olhos negros, nas flores de meu coração. Meninas que pousam as lanças no lago de suas pupilas Meninas que lavam as pernas no lago de minhas palavras.

Para Aleksandr Blok

Eu visitei o poeta ao meio-dia em ponto. Domingo. Quietude no amplo quarto e, fora das janelas, o frio e um sol cor de amoras silvestres, envolto em névoa hirsuta e azulada... Com que olhar aguçado o taciturno anfitrião olhava para mim! Tinha olhos daquele tipo de que a gente nunca se esquece; melhor seria, cuidadosa, eu não devolver seu olhar. Mas me lembrarei sempre da conversa, o meio-dia nevoento, domigo, naquela casa alta e cinzenta, junto aos portões do Nevá para o mar. janeiro de 1914

62

Versos a Blok



Eu visitei o poeta

63

Versos a Púchkin Com toda a justiça considerado o “pai” da literatura russa, Alexander Púchkin inspira incontáveis louvores e é amplamente referenciado. Na produção poética dos nomes que integram esta antologia, selecionamos alguns textos que nos pareceram, unidos pela remissão à Púchkin, diversos, estilisticamente, entre si.

Marina Tsvetáieva Tradução de Aurora Fornoni Bernardini

Na mão – um pássaro que cala, Teu nome – pedra de gelo na fala. Um movimento de lábios, só. Teu nome – quatro sons. Uma bola em voo apanhada, Um guizo na boca, de prata. Um seixo, atirado num lago calmo, soluça assim, como te aclamo. Ao leve tropel do casco noturno Alto teu nome responde. E o gatilho a estalar soturno Lembra-o, em nossa fonte. Teu nome – ah, não consigo!– Teu nome – um beijo no ouvido. No gelo terno de pálpebras rígidas, Da neve é o beijo no mundo. É um gole de fonte, azul e frígido. Em teu nome – o sono é profundo. 15 de abril de 1916



“Na mão – um pássaro que cala,”

67

À cidade de Púchkin

Os homens quando amam

Anna Akhmátova Tradução de Lauro Machado Coelho

Vielemir Khlébnikov Tradução de Marco Lucchesi

Os homens, quando amam, Dão longos olhares E longos suspiros. As feras, quando amam, Turvam os olhos, Dando mordidas de espuma. Os Sóis, quando amam, Vestem a noite com tecidos de terra, E dançam majestoso para a amada. Os deuses, quando amam, prendem o frêmito do cosmos, como Púchkin – a chama de amor pela criada de Valkónski.

E os dosséis protetores de Tsárkoie Seló... Púchkin

1 Que posso fazer? Eles te destruíram. Este encontro é mais cruel que separar-se! Aqui havia um chafariz e as alamedas e mais adiante verdejava o parque... A própria aurora aqui era mais rubra. Em abril, sentia-se o aroma da terra úmida e do primeiro beijo... 8 de novembro de 1945

68

Versos a Púchkin



Os homens quando amam

69

Versos a Maiakóvski Maiakóvski é, sem dúvida, o mais célebre entre todos os poetas russos modernos. O episódio de seu suicídio, em 1930, seguindo-se a outras mortes de próprio punho (como do poeta Sierguéi Iessienin, em 1925), ao lado de toda a sua impactante trajetória, fez de sua biografia uma das principais portas de acesso à sua obra. Polígrafo, deu com

a a

ler,

em

sua

particular

poesia,

“índole

faces

várias,

expressiva”

que

mas o

sempre

distingue.

A morte do poeta Boris Pasternak Tradução de Haroldo de Campos

Não queríamos crer – delírio! Mas dois, três, todos incessantes, O repetiam. Ajustados no trilho Do instante, estacavam os domicílios De burocratas e comerciantes. Áreas e árvores, e no alto sobre os galhos Corvos no fumo do sol fogo Ralhavam com esposas-gralhas: Que não metêssemos nariz no pecado As tolas! Todas ao diabo! Mas nos rostos, um úmido descomposto Como nas pregas de uma rede rota. Um dia inócuo, inócuo, mais inócuo Que uma dezena de teus dias passados. No vestíbulo, a turba se coloca Em fila, premida por um disparo. Como um jorro de lúcios e de bremas Achatados, cuspidos das maremas Pelo estouro de um petardo entre caniços, Como um suspiro de tiros não fictícios. O leito armado sobre a maledicência, Você dormia, agora plácido, em paz. Vinte e dois anos, belo, e a pré-ciência De tudo isto em teu pomea quadriparte. Você dormia, rosto preso ao travesseiro, Dormia, a plenas pernas, a plenos tornozelos, Penetrando de novo, de um só golpe, No fabulário das legendas jovens. E penetrando da maneira mais direta Porque nele você entrava de um salto. Teu disparo parecia um Etna Sobre as encostas de covardes e fracos. 1930



A morte do poeta

73

A Vladímir Maiakóvski Marina Tsvetáieva Tradução de Haroldo de Campos

Acima das cruzes e dos topos Arcanjo sólido, passo firme, Batizado a fumaça e a fogo – Salve, pelos séculos, Vladímir! Ele é dois: a lei e a exceção, Ele é dois: cavalo e cavaleiro. Toma fôlego, cospe nas mãos: Resiste, triunfo carreteiro.

Vida

Escura altivez, soberba tosca, Tribuno dos prodígios da praça, Que tocou pela pedra mais fosca O diamante lavrado e sem jaça.

O que dizer dela? Ela é o princípio da poesia. Não em determinismo causal (“se vida, obra ...”), relação especular entre o biográfico e o poético. Mas como dom da existência.

Saúdo-te, trovão pedregoso! Boceja, cumprimenta – e ligeiro Toma o timão, rema no teu voo Áspero de arcanjo carreteiro.

E

1921

74

Versos a Maiakóvski

o

poema,

como

a

continuidade

orgânica

do

poeta.

Alexander Púchkin Tradução de José Casado

Vida, dom vão e fortuito, Por que foste dada mim? Ou com que secreto intuito Sentenciada a ter fim? Quem, com hostil prepotência, Do nada me suscitou, Fez fogo a alma, e a inteligência Com a objeção me agitou? Não vejo meta futura: A alma e a razão vão ao léu, E com o esplim me tortura Da vida o igual escarcéu. 26 de maio de 1828 –

data em que Púchkin fez 29 anos



“Vida, dom vão e fortuito,”

77

Elegia

À vida Alexander Púchkin Tradução de José Casado

Marina Tsvetáieva Tradução de Haroldo de Campos

Dos anos loucos a alegria extinta, Ressaca vaga, faz que eu mal me sinta. Mas, como o vinho, é o remorso meu Que mais forte ficou, se envelheceu. É triste minha estrada. E me anuncia O mar ruim do porvir dor e agonia.

Não roubarás minha cor Vermelha, de rio que estua. Sou recusa: és caçador. Persegues: eu sou fuga. Não dou minha alma cativa! Colhido em pleno disparo, Curva o pescoço o cavalo Árabe – E abre a veia da vida.

Mas não desejo, amigos meus, morrer; Quero ser para pensar e sofrer. E sei que há gozos para mim guardados Entre aflições, desgostos e cuidados: Inda a concórdia poderei cantar, Sobre prantos fingidos triunfar, E talvez com sorrir de despedida Brilhe o amor no sol-pôr de minha vida.

1924

1830

78

Vida



À vida

79

Insônia Universal e intemporal, a insônia é, para o poeta, mais que um estado. Ela é, simbolicamente, uma condição, referindose ao “excesso de vigília” de que padece; sua concentração poética, empenho constante, e a consciência aguda daquilo que o cerca. À noite, sua hora natural, os trabalhos da insônia fazem do poeta um indivíduo que trafega no avesso da máquina do mundo – seu habitat – onde pode alcançar a criação.

Versos compostos durante uma noite de insônia Alexander Púchkin Tradução de José Casado

Tudo é sono e escuridão; Não há luz, nem meu ser dorme. Perto de mim, uniforme, Só o som do carrilhão, Da parca o senil gaguejo, Da noite dormente o adejo, Da vida de rato a ação... por que me inquietas, então? Que expressas, ruído aborrido? Repreensão? Ou gemido por todo meu dia vão? O que de mim ora exiges? Convocas-me? A logo predizes? Gostaria de captar Teu sentido, e o hei de achar. 1830



Versos compostos durante uma noite de insônia

83

Óssip Mandelstam Tradução de Augusto de Campos

Marina Tsvetaiéva Tradução de Aurora Fornoni Bernardini

Insônia. Homero. Velas rijas. Naves: Contei a longa fila até metade. Barcos em bando, revoada de aves Que se elevou outrora sobre a Hélade.

Insônia! Amiga minha! De novo tua mão Com a taça estendida Encontro na noite Tinindo sem som.

Uma cunha de grous cortando os céus Sobre a fronte dos reis cai a espuma divina Para onde seguis? Não fosse por Helena, O que seria Tróia para vós Aquiles?

– Encanta-te! Bebe! Não ao alto, Mas ao fundo – Levarei... Com os lábio, lambe! Pombinha! Amiga! Bebe! Encanta-te! Bebe! Em cada paixão – Firmeza. Em cada ocasião – Certeza. – Amiga minha! – Concede. Os lábios descerra! Com a volúpia dos lábios A taça da borda bordada Agarra – Sorve, Traga: – Não seja! – Amiga! Não veja! Encanta-te! Bebe! De todas as paixões – A mais forte, de todas as mortes – A mais doce...Das duas palmas Minhas – encanta-te! – bebe! A paz sem novas se perdeu. No mundo –

O mar e Homero – a tudo move o amor a quem ouvir? Mas Homero está quieto E o mar escuro, declamando, com clamor, Ruge e estertora à beira do meu leito. 1915

84

Insônia



“Insônia! Amiga minha!”

85

Há margens rompidas... – Bebe, passarinha! No fundo Há gemas derretidas... Bebes o mar Bebes a aurora Com qual amante a orgia vai ser? Com o meu – Criança – Vamos ver? E se perguntarem, responde (eu te ensino!) Pois, como dizem, - um caco Com a insônia me afino, Com a insônia me atraco... maio de 1921

Dois ... o número do amor. Da encenação em que Eros toma parte. O encontro romântico já é o prelúdio do grande desencontro, fatalidade predestinada. O instante – fulgor – em que o encontro acontece é tema destes exercícios. O enamoramento, experiência do outro (ou da projeção de si), é parte do conteúdo essencial da vida, e um tema caro à poesia desde as suas origens.

86

Insônia

O tu e o vós Alexander Púchkin Tradução de José Casado

Ela o vós neutro, sem querer, Trocou no tu afetuoso; Fez-me de ventura nascer Sonhos no espírito amoroso. Demoro, pensativo, ali: Não mais fitá-la é-me impensável. E digo: “Como sois amável!” Mas penso:”Como quero a ti”. 1828



O tu e o vós

89

Alexander Púchkin Tradução de José Casado

Alexander Púchkin Tradução de José Casado

Eu vos amei. Ainda talvez vivo, O amor não se apagou no peito meu; Mas não vos seja de aflição motivo: Entristecer-vos não desejo eu. Eu vos amei, mudo, sem cor de espera, Ora acanhado, ora de ciúme a arder. Eu vos amei com ternura sincera, Deus queira amada assim venhais a ser.

Quando esse esbelto corpo teu Entre meus braços aprisiono, E às expressões deste amor meu, Arrebatado, me abandono, Das mãos prementes, sem um som, O talhe airoso, sem detença, Livras e me respondes com Sorriso de funda descrença. Lembrando com aplicação Das mutações minha a história, Pões-te a escutar-me, merencória, Sem simpatia ou atenção. Maldigo as proezas astuciosas De minha juventude atroz E as entrevistas amorosas Nos jardins, nas noites sem voz. Maldigo do oaristo os cicios, Dos versos os encantos magos, Das virgens simples os afagos, O pranto e os queixumes tardios.

1829

1830

90

Dois



“Quando esse esbelto corpo teu”

91

Alexander Púchkin Tradução de José Casado

LÍLITCHKA! Em lugar de uma carta Vladímir Maiakóvski Tradução de Augusto de Campos

De nobre espanhola diante Dois cavaleiros estão O olhar franco e petulante De um e do outro ao dela vão. Um é belo, o outro é formoso, E os dois ardem por igual. Cada um o poderoso punho põe no aço fatal.

Fumo de tabaco rói o ar. O quarto — um capítulo do inferno de Krutchônikh.1 Recorda — atrás desta janela pela primeira vez apertei tuas mãos, atônito. Hoje te sentas, no coração — aço. Um dia mais e me expulsarás, talvez, com zanga. No teu hall escuro longamente o braço, trêmulo, se recusa a entrar na manga. Sairei correndo, lançarei meu corpo à rua. Transtornado, tornado louco pelo desespero. Não o consintas, meu amor, meu bem, digamos até logo agora. De qualquer forma o meu amor — duro fardo por certo — pesará sobre ti onde quer que te encontres. Deixa que o fel da mágoa ressentida num último grito estronde. Quando um boi está morto de trabalho ele se vai e se deita na água fria. Afora o teu amor

Eles a amam mais que à vida, Como à glória um e outro a quer, E ela a um só: de quem, rendida, Ela almeja ser mulher? “Dize qual teu predileto”, Ambos lhe falam então Com fé moça, e o olhar direto De um e o do outro ao dela vão. 1830

1

92

Dois



Alusão ao poema “Um jogo no Inferno”, de A. Krutchônikh e V. Khlébnikov.

LÍLITCHKA! Em lugar de uma carta

93

para mim não há mar, e a dor do teu amor nem a lágrima alivia. Quando o elefante cansado quer repouso ele jaz como um rei na areia ardente. Afora o teu amor para mim não há sol, e eu não sei onde estás e com quem. Se ela assim torturasse um poeta, ele trocaria sua amada por dinheiro e glória, mas a mim nenhum som me importa afora o som do teu nome que eu adoro. E não me lançarei no abismo, e não beberei veneno, e não poderei apertar na têmpora o gatilho. Afora o teu olhar nenhuma lâmina me atrai com seu brilho. Amanhã esquecerás que eu te pus num pedestal, que incendiei de amor uma alma livre, e os dias vãos — rodopiante carnaval — dispersarão as folhas dos meus livros... Acaso as folhas secas destes versos far-te-ão parar, respiração opressa?

Vielimir Khlébnikov Tradução de Augusto de Campos

Uma vez mais, uma vez mais Sou para você Uma estrela. Ai do marujo que tomar O ângulo errado de marear Por uma estrela: Ele se despedaçará nas rochas, Nos bancos sob o mar. Ai de você, por tomar O ângulo errado de amar Comigo: você Vai se despedaçar nas rochas E as rochas hão de rir Por fim Como você riu De mim. 1919-1921

Deixa-me ao menos arrelvar numa última carícia teu passo que se apressa 26 de maio de 1916, Petrogrado2

2

É um costume russo datar as cartas ao fim.

94

Dois



“Uma vez mais, uma vez mais”

95

Fragmentos Marina Tsvetáieva Tradução de Aurora Fornoni Bernardini

Num mundo, onde cada É curvo e sebento, Conheço alguém Como eu resistente.

Vladímir Maiakóvski Tradução de Augusto de Campos

1 Me quer ? Não me quer ? As mãos torcidas os dedos despedaçados um a um extraio assim se tira a sorte enquanto no ar de maio caem as pétalas das margaridas Que a tesoura e a navalha revelem as cãs e que a prata dos anos tinja seu perdão penso e espero que eu jamais alcance a impudente idade do bom senso

Num mundo onde tantos Tanto queremos, Conheço alguém Como eu poderoso. Num mundo onde todos – Podridão e hera, Conheço alguém Como eu verdadeiro –

2

Tu.

Passa da uma você deve estar na cama Você talvez sinta o mesmo no seu quarto Não tenho pressa Para que acordar-te com o relâmpago de mais um telegrama

3 de julho de 1924

3 O mar se vai o mar de sono se esvai Como se diz: o caso está enterrado a canoa do amor se quebrou no quotidiano Estamos quites Inútil o apanhado da mútua dor mútua quota de dano

96

Dois



Fragmentos

97

De “ As roseiras silvestres florescem”

4 Passa de uma você deve estar na cama À noite a Via Láctea é um Oka3 de prata Não tenho pressa para que acordar-te com relâmpago de mais um telegrama como se diz o caso está enterrado a canoa do amor se quebrou no quotidiano Estamos quites inútil o apanhado da mútua do mútua quota de dano Vê como tudo agora emudeceu Que tributo de estrelas a noite impôs ao céu em horas como esta eu me ergo e converso com os séculos a história do universo

Anna Akhmátova Tradução de Lauro Machado Coelho

4 Primeira Canção O mistério de um não-encontro tem desolados triunfos: frases não-ditas, palavras silenciadas, olhares que não se cruzaram nem souberam onde repousar – só as lágrimas se alegram por poderem livremente correr. Um roseiral perto de Moscou – ai meu Deus! – teve tanto a ver com tudo isso... E a tudo isso chamaremos de amor imortal.

5 Sei o pulso das palavras a sirene das palavras Não as que se aplaudem do alto dos teatros Mas as que arrancam caixões da treva e os põem a caminhar quadrúpedes de cedro Às vezes as relegam inauditas inéditas Mas a palavra galopa com a cilha tensa ressoa os séculos e os trens rastejam para lamber as mãos calosas da poesia Sei o pulso das palavras Parecem fumaça Pétalas caídas sob o calcanhar da dança Mas o homem com lábios alma carcaça.

1956

1928-1930

3

Rio da Sibéria.

98

Dois



De “ As roseiras silvestres florescem”

99

A carta incinerada

A flauta vértebra

Alexander Púchkin Tradução de José Casado

Prólogo Adeus, carta de amor, adeus; assim quis ela... Muito procrastinei, muito à chama da vela Meu regozijo eu não me decidi a opor! Basta, o instante chegou: arde, carta de amor. Minha alma (pronto estou) outro ato não concebe. As páginas,voraz, o calor já recebe... Inflamaram-se após instante... e a fumaçar, sobem, perdem-se com minhas súplicas no ar. A esvair-se a impressão fiel do anel - sinete - Ó Providência - , o lacre, em brasa já derrete... Cada folha se enrola, então cor de carvão. Era fatal! Na cinza a oculta alma e expressão Branqueja...O peito meu contrai-se. Cinza amada, Refrigério infeliz de sorte desgraçada, Serás sempre sobre este aflito coração.

Vladímir Maiakóvski Tradução de Boris Schnaiderman e Haroldo de Campos

A todas vocês, que eu amei e que eu amo, ícones guardados num coração-caverna, como quem num banquete ergue a taça e                                          [celebra, repleto de versos levanto meu crânio. Penso, mais de uma vez: seria melhor talvez pôr-me o ponto final de um balaço. Em todo caso eu hoje vou dar meu concerto de adeus.

1825

Memória! Convoca aos salões do cérebro um renque inumerável de amadas. Verte o riso de pupila em pupila, veste a noite de núpcias passadas. De corpo a corpo verta a alegria. esta noite ficará na História. Hoje executarei meus versos na flauta de minhas próprias vértebras 1915

100

Dois



A flauta vértebra

101

Separação A ruptura é o momento desditoso que se segue às festas do amor. São, portanto, quase indissociáveis. Com esses temas, nos poemas aqui eleitos, quase sempre a perda amorosa é provocada por forças alheias à vontade dos amantes. Em outros poemas, a separação pode soar como uma despedida da própria vida, daqueles que são essenciais para esse “eu” à beira da morte, do suicídio. Além da separação, os poemas passam a tratar, também, da ausência.

Sierguéi Iessiênin Tradução de Augusto de Campos

Até logo, até logo, companheiro, guardo-te no meu peito e te asseguro: o nosso afastamento passageiro é sinal de um encontro no futuro. Adeus, amigo, sem mãos nem palavras. Não faças um sobrolho pensativo. Se morrer, nesta vida, não é novo, Tampouco há novidade em estar vivo. 1925



“Até logo, até logo, companheiro,”

105

Canção do último encontro Anna Akhmátova Tradução de Lauro Machado Coelho

Anna Akhmátova Tradução de Lauro Machado Coelho

Eu me sentia fria e sem forças mas eram ligeiros meus passos. Cheguei a pôr na mão direita a luva da mão esquerda.

Raramente penso em ti. Teu destino pouco me interessa. Mas de minha alma ainda não se apagou o brevíssimo encontro que tivemos.

Pareciam tantos os degraus; mas eu sabia que eram apenas três. Em meio aos plátanos, o outono murmurava: “Vem morrer comigo!

Evito, de propósito, tua casinha vermelha, tua casinha vermelha junto ao rio lamacento; mas bem sei com que amargura perturbo a tua ensolarada quietude.

Fui enganado pelo meu destino frágil, volúvel, maligno.” E respondi: “Oh, meu querido, eu também... morro contigo.”

Embora não te tenhas inclinado sobre mim suplicando-me que te amasse, embora não tenhas imortalizado o meu desejo em versos dourados,

Esta é a canção do último encontro. De novo olhei a casa sombria. No quarto apenas, brilhavam velas com um fogo amarelado e indiferente.

secretamente lanço encantamentos para o futuro, sempre que as noites são de um azul profundo, e tenho a premonição de um segundo encontro, um inevitável segundo encontro contigo.

1911, Tsárkoie Seló

106

Separação

1913



“Raramente penso em ti.”

107

Vanguarda Os poemas incluídos nesta seção estão historicamente vinculados à verve vanguardista (inaugurada pelo movimento futurista, que alcançou grande expressão na Rússia). De difícil seleção, por serem muitos e muito diversos, dentro da particularidade de cada poeta; e também por apresentarem dificuldades para o trabalho de edição, sobretudo aqueles com ênfase na dimensão gráfica e visual, como acontece com tantos de Maiakóvski, alguns desses textos “são” a vanguarda por seu experimentalismo radical e pela “respiração” inquieta que caracteriza a atmosfera futurista.

Usina cindida Alieksiéi Krutchônikh Tradução Haroldo de Campos e Boris Schnaiderman

F – Fábrica pêndulo ângulo de aço metro e céu – de gás regira o giroscópio estralo... marcha... síncope sob o zeiss – fustigam lâminas de rádio, sintársis...alfa – beta – gama-raio... o cristal desliza pelas costelas da armação ........................................................... zarcão...zr...zk....tchm...do zinco zoeira... zigzag... zászurzir – j – j – z – z – z ! – a usina toda que zune!



Usina cindida

111

“É assim o jardim de jasmim, o jardim de jasmim do alfenim.” Estes verte versos feito regador, aquele os baba, boca em babador, – bonifrates encapelados, ......................descabelados vates – entendê-los, ................ao diabo!, ...........................quem há-de... Quarentena é inútil contra eles .....................mandolinam por detrás das paredes: “Ta-ran-tin, ta-ran-tin, .......................ta-ran-ten-n-n...” Triste honra, .................se de tais rosas minha estátua se erigisse: na praça ...........escarra a tuberculose; putas e rufiões .................numa ronda de sífilis. Também a mim ..........a propaganda ........................cansa, é tão fácil ........alinhavar ................romanças, – mas eu ..........me dominava ...................entretanto e pisava ............a garganta do meu canto. Escutai, .............camaradas futuros, o agitador,

A Plenos Pulmões Vladmir Maiakovski Tradução de Haroldo de Campos

Caros ..........camaradas ......................futuros! Revolvendo ........a merda fóssil .........................de agora, ......perscrutando estes dias escuros, talvez ...............perguntareis .............................por mim. Ora, começará .................vosso homem de ciência, afagando os porquês ..............num banho de sabença, conta-se ........que outrora ...............um férvido cantor a água sem fervura ..........................combateu com fervor Professor, ..........jogue fora .................as lentes-bicicleta! A mim cabe falar ................de mim .......................de minha era. Eu – incinerador, ................ eu – sanitarista, a revolução ....................me convoca e me alista. Troco pelo “front” .......... a horticultura airosa da poesia – ...................fêmea caprichosa. Ela ajardina o jardim... virgem .................vargem..........sombra ...............................alfombra.

112

Vanguarda

o cáustico caudilho, o extintor .............dos melífluos enxurros: por cima ..........dos opúsculos líricos, eu vos falo ............ como um vivo aos vivos.



A Plenos Pulmões

113

Chego a vós, ...... à Comuna distante, não como Iessiênin, .........................guitarriarcaico. Mas através ..... dos séculos em arco sobre os poetas .....................e sobre os governantes. Meu verso chegará, ................não como a seta lírico-amável, ..............que persegue a caça. Nem como ..........ao numismata ............... a moeda gasta, nem como a luz .....................das estrelas decrépitas. Meu verso ..........com labor .............. rompe a mole dos anos, e assoma .....a olho nu, ................ palpável, ......................bruto, como a nossos dias chega o aqueduto levantado .................por escravos romanos. No túmulo dos livros, .............. versos como ossos, se estas estrofes de aço acaso descobrirdes, vós as respeitareis, ..........................como quem vê destroços de um arsenal antigo, ................mas terrível. Ao ouvido .........não diz ................blandícias .........................minha voz; lóbulos de donzelas ..........de cachos e bandós não faço enrubescer com lascivos rondós.

114

Vanguarda

Desdobro minhas páginas – tropas em parada, e passo em revista o front das palavras. Estrofes estacam chumbo-severas, prontas para o triunfo ou para a morte. Poemas-canhões, rígida coorte, apontando as maiúsculas abertas. Ei-la, a cavalaria do sarcasmo, minha arma favorita, alerta para a luta. Rimas em riste, sofreando o entusiasmo, eriça suas lanças agudas. E todo este exército aguerrido, vinte anos de combates, não batido, eu vos dôo, proletários do planeta, cada folha até a última letra. O inimigo da colossal classe obreira, é também meu inimigo figadal. Anos de servidão e de miséria comandavam nossa bandeira vermelha. Nós abríamos Marx volume após volume, janelas de nossa casa abertas amplamente, mas ainda sem ler saberíamos o rumo!



A Plenos Pulmões

115

onde combater,

com a língua dos cartazes, de que lado,

lambeu em que frente.

os escarros da tísis. A cauda dos anos faz-me agora um monstro, fossilcoleante. Camarada vida, vamos, para diante, galopemos pelo quinquênio afora. Os versos para mim não deram rublos, nem mobílias de madeiras caras. Uma camisa lavada e clara, e basta, – para mim é tudo. Ao Comitê Central do futuro ofuscante, sobre a malta dos vates velhacos e falsários, apresento em lugar do registro partidário todos os cem tomos dos meus livros militantes.

Dialética, não aprendemos com Hegel. Invadiu-nos os versos ao fragor das batalhas, quando, sob o nosso projétil, debandava o burguês que antes nos debandara. Que essa viúva desolada, – glória – se arraste após os gênios, merencória. Morre, meu verso, como um soldado anônimo na lufada do assalto. Cuspo sobre o bronze pesadíssimo, cuspo sobre o mármore viscoso. Partilhemos a glória, – entre nós todos, – o comum monumento: o socialismo, forjado na refrega e no fogo. Vindouros, varejai vossos léxicos: do Letes “tuberculose”, ”bloqueio”, ”meretrício”. Por vós, geração de saudáveis, – um poeta,

116

Vanguarda

dezembro 1929 / janeiro 1930



A Plenos Pulmões

117

Zumbe terra, zune terra... Zumbetérrea... zunetérrea... Infanto-cachorril umbigo em tiple: U – i – i! – U – i – i! – i!... Cães a trenós se atarraxam Após mil ziabos sem fio Na cerca uma bruzxa solucha:

Inverno Alieksiéi Krutchônikh Tradução Haroldo de Campos e Boris Schnaiderman

Revn... Ivrn... Vnrr – Inverno!... Paredes De gelo Regelo... Nevário...Nevário! Friez... Ventez... V – ven – tul... Fri – u – ul... Gelário... Gelário!... Incruento assassinato... O céu tifoso – um piolho compacto!... Agora De seu arco oblíquo Range uma roda E cai – Tudo estremece – Febre e fragor Clamor de vida



ZA-KHA-KHA – KHA! Ah-ah! Zu-khu-khu-khu! – uh! PU-U-U-XA!!! Pu-u-u-xa!

Desembesta a tempesta... Zia a ventazia... Sobre a ossatura coriácea Salta o xamã Xamai Ai! A todos nevasca: Inv – v-v Grr – r-r Vrn – n-n R-R-R-R! Raz... Trz... Vzaz – CACHORROS VIRAM CARCAÇAS!

ESCARRANDONAS TUNDRAS O SANGUE DAS FLORES AGUDAS...

1926

– Hu– ah!... nasceu na granxa uma GARÇA A geada escarcha – pach! – pach! Zoam dentes zoentes... Escava uma fossa na neve fofa – Ah – ahn – ahn – ahn!...Astracanh!...nhã – hã – hã! Tem – pes – tua...Amontanha se arrasta – Zua – zus– zus – zua...

118

Vanguarda



A Plenos Pulmões

119

Apêndice

Tradução poética: consciência do impossível ou o esforço de recriar? Mariana Pithon

A tradução é uma operação muito presente na construção da relação entre o homem e o mundo, na medida em que, de uma forma ou de outra, ocorre por meio de linguagem. Assim, entende-se por tradução a “transposição de uma língua para outra que expressa de modo indireto; imagem, reflexo”,4 bem como o “ato de tornar claro o significado de algo; interpretação, explicação”5. A tradução é, pois, um processo que permeia o interstício entre a comunicação e a expressão. Em face disso, traduzir um texto para outro idioma pode ser, num primeiro momento, apenas a transposição desse escrito para um outra língua, visando, principalmente, à comunicação. No entanto, ao considerarmos um texto não apenas como a transmissão de um conteúdo, mas, sobretudo, um trabalho com a linguagem visando à produção de um sentido, a tradução de um texto pode exigir não só a comunicação como fim último: ela também pode configurar-se numa re-escrita do original. Essa operação, assim como a escrita, traz consigo não só o labor da criação, mas também os conflitos que surgem no ato de escrever, uma vez que, nele, nada mais fazemos que transmitir, por meio da palavra, o que carregamos em nosso espírito e pensamento. Sabendo que a expressão da completude daquilo que é abstrato sempre esbarra na insuficiência da palavra e do fazer-se em palavras,

4

HOUAISS

e VILLAR. Minidicionário da língua portuguesa, p. 734.

5

HOUAISS

e VILLAR. Minidicionário da língua portuguesa, p. 73

traduzir pode tornar-se, para alguns, um trabalho frustrante, pois o ori-

particular de seu original para ecoar no mundo? Em contrapartida a essa

ginal nunca se manifestará tal e qual em outra língua. Já para outros,

impossibilidade, outra vertente considera a tradução não só uma opera-

pode ser um trabalho de constante recriação, da expressão individual e

ção possível, mas um ato de criação.

da impregnação da língua de chegada pela língua de partida, por meio da

Assim como o escritor é aquele que consegue exprimir em pala-

apropriação dos elementos que fazem da última instrumento de expres-

vras aquilo que, até então, não se encontrava meios de designar, que não

são de uma teoria ou de uma obra de arte.

se contenta em brincar com as palavras, mas, como escreve Todorov,

A tradução poética é o ponto chave dessa discussão. Maiakóvski,

objetiva por meio da escrita uma maneira de se “chegar à verdade das

endossando aqueles que acreditam ser a poesia um gênero intraduzível,

coisas”, cabe ao tradutor promover o ressoar dessa verdade, sendo essa

defendia que:

harmonia somente alcançada através de um intenso trabalho com a línTraduzir poemas é tarefa difícil, especialmente os meus. Uma outra razão da dificuldade da tradução de meus versos vem de que introduzo nos versos a linguagem cotidiana, falada... Tais versos só são compreensíveis e só têm graça se sente o sistema geral da língua, e são quase intraduzíveis, como jogos de palavras.6

gua de chegada, de modo fazer com que ela absorva as particularidades da língua de origem, esse todo que a faz sonora, ritmada e signifcativa. Adepta dessa visão, Marina Tsteváieva, poeta e escritora russa, em carta para Paul Valéry, escreve: Dizem que Puchkín é intraduzível. Por que será? Cada poema é a tradução do espiritual em material, de sentimentos e pensamentos em palavras. Se foi possível fazê-lo uma vez, traduzindo o mundo interior em signos exteriores (o que beira o milagre!), por que não seria possível transformar um sistema de signos em um outro? É muito mais simples: na tradução de um língua para outra, o material é dado pelo imaterial, a palavra pela palavra, o que é sempre possível.8

Nessa mesma linha, Elsa Triolet justifica seu trabalho com as traduções de Maiakóvski: Quanto à rima, abandonei toda a esperança de transpô-la para o francês, salvo algumas exceções: é por assim dizer impossível “traduzir” a vertiginosa virtuosidade das rimas de Maiakóvski. Peço poi ao leitor que, nesse sentido, ele mesmo me “retifique” e que jamais esqueça que o orignal é inteiramente ritmado e rimado7.

Marina Tsvetáieva reflete acerca de uma prática que, contrariando qualquer conjectura a favor de seu fracasso, faz-se presente tanto como

Em outra antologia, essa organizada por Lila Guerrero, a dificul-

forma de sobrevivência dos tradutores, como dos próprios poetas. A

dade em expressar a grandiosidade da poesia de Maiakóvski para o espa-

tradução, no caso de muitos poetas russos, assim como no de outros

nhol se manifesta da seguinte forma:

artistas que, vítimas de sistemas totalitários, não se dispunham a fazer

Alguns dirão que em russo talvez seja um grande poeta. Sem dúvida que o é. Mas os que nada encontrarem de admirável nesta versão, tampouco o encontrarão em russo.8

concessões a seus ideais, garantiu o sustento financeiro, ainda que pre-

No entanto, será possível considerar as línguas sistemas tão fecha-

A própria Tsvetáieva, com alguma dificuldade, foi capaz de con-

dos a ponto de não conseguirem expressar a força de um verso maiako-

quistar um pequeno espaço com sua poesia, mesmo residindo fora da

vskiano ou a ousadia de seu trabalho com a liguagem? A poesia, então,

Rússia. De forma mais alardeada, Boris Pasternak conseguiu passar incó-

por mais universal que seja em sua essência deverá se contentar com o

lume à censura, dando nova vida às obras de Shakespeare e Goethe. No

cário; o fôlego e a sobrevivência da poesia cuja publicação foi restringida, quando não vetada.

seu caso, o que sua poesia tinha de abominável na opinião do governo 6

MAIAKÓVSKI.

citada por GUERRA, Antologia poética, p. 95

7

TRIOLET

8

GUERRERO

124

Antologia poética, p. 95.

citada por GUERRA, Antologia de Maiakóvski, p. 183.

Apêndice

stalinista – possivelmente, a percepção do homem como sendo maior do que um ser influenciado pelas ações políticas das máquinas burocráticas

Tradução poética: consciência do impossível ou o esforço de recriar?

125

e das autoridades políticas – foi muito bem recebido, obtendo como tradutor um lugar junto ao cânone universal.

Haroldo de Campos e a transcriação da Poesia Russa Moderna

Anos mais tarde, graças ainda à tradução, as vozes silenciadas desses poetas ganham reconhecimento e preponderam sobre as atrocidades

Boris Schnaiderman

da barbárie “fantasiada” de comunismo, a qual, como aponta Barthes, confere à palavra ordem um conhecimento extremamente repressivo, em que nem o poeta nem a poesia são livres; nas palavras de Octávio Paz, “voz do povo, língua dos escolhidos, palavra do solitário”.9

Referências: MAIAKÓVSKI, Vladímir. Antologia poética. Tradução de Emilio Guerra. São Paulo: Max Limonad, 1987 MAIAKÓVSKI, Vladímir. Poemas. Tradução e Organização de Augusto de Campos; Haroldo de

Campos; Boris Schnaiderman. 7. ed. São Paulo: Perspectiva, 2006.

Tenho a maior satisfação e sinto-me honrado de estar aqui, nesta confra-

PAZ, Octavio. El arco e la lira. Madrid: Fondo de Cultura, 1998. (Lengua y Estudios Literários)

ternização entre nossas culturas, e tanto mais por se tratar de uma ver-

TSIVETÁIEVA, Marina. Vivendo sob o fogo. São Paulo: Martins Fontes, 2008.

dadeira homenagem a meu amigo de muitos anos, Haroldo de Campos. Aproveito a oportunidade para transmitir a vocês um pouco da minha experiência como seu colaborador no campo da poesia russa moderna. O seu trabalho “O texto como produção (Maiakóvski)”10 é um roteiro comentado, com muita intensidade e vivência, da tradução que realizou de um dos poemas mais fortes de Maiakóvski, “A Sierguéi Iessiênin”, sobre o suicídio desse poeta russo em 1925, mas é também um depoimento sobre como ele iniciou esses trabalhos. Quando me dispus a traduzir um poema de Maiakóvski, após pouco mais de três meses de estudo do idioma russo, conhecia minhas limitações, mas tinha também presente o problema específico da tradução de poesia que , a meu ver, é modalidade que se inclui na categoria criação. Traduzir poesia há de ser criar, sob pena de esterelização e petrificação, o que é pior do que a alternativa de trair. Mas não me propus uma tarefa absurda. Ezra Pound traduziu poemas chineses (Cathay) ‘nôs’ japoneses, numa época em que não se tinha ainda iniciado no estudo do ideograma, ou em que estaria numa fase rudimentaríssima desse estudo, servindo-se do texto (versão) intermediário do orientalista Ernest Fenollosa e iluminado por uma prodigiosa intuição poética. E os resultados, como poesia, excedem sem comparação ao do competente sinólogo e niposnitsa Arthur Waley,

9

PAZ.

126

O arco e a lira, p. 6.

10

Apêndice

CAMPOS.

A operação do texto, p. 43-88.

e acabaram, inclusive, por instigar o teatro criativo de Yeats (At the Hawk’s Well, 1916), além dos nutrimentos que o próprio Pound tirou da experiência. Sem que se tenha a imodéstia de pretender repetir, no campo da tradução da poesia, as façanhas poundianas, não há dúvida de que deste caso-paradigma decorre toda uma didática.11

Conforme Haroldo conta no trabalho que citei há pouco, ele ficava intrigado com a obra de Maiakóvski: os seus escritos de poética, que ele pudera ler em tradução, mostravam um criador bem cônscio de que a poesia lida com linguagem concentrada ao máximo, de que o poeta deve ser um construtor de linguagem. Mas quando ele passava a traduções

Depois, em várias passagens, ele se refere à leitura que fiz quando

de seus poemas em línguas ocidentais, aparecia em quase todas um

o poema estava ainda em rascunho. O que o poeta não diz, porém, é que

poeta de comício, um emissor de slogans fáceis e muitas vezes banais.

embora ele tivesse estudado até então pouco mais de três meses num

Tentando resolver o enigma e animado por umas pouquíssimas traduções

curso de iniciação à língua russa, pude dar apenas pouquíssimas suges-

ocidentais (no referido estudo, ele se refere particularmente ao tradutor

tões, tal era a qualidade de seu trabalho.

alemão Karl Dedecius), Haroldo se dispôs a estudar o russo, tendo como

Daí nasceu uma colaboração e convívio que se estenderam a seu irmão,

objetivo principal a aproximação com a obra de Maiakóvski.

Augusto de Campos, outro grande tradutor de poesia para o português. Parece-me às vezes incrível que nosso trabalho de grupo se tenha desenvolvido tão harmoniosamente, sem atritos de espécie alguma. Acho

Depois que ele me trouxe a sua tradução do poema sobre o suicídio de Iessiênin, percebi que havia nele extremos de virtuosismo, com a recriação de recursos sonoros do original. Este inicia-se assim:

que na história da tradução foram poucos os casos em que isto se tornou pos-

Vi uchli, Kak govorítsia, v mir inói. Pustotá... Letítie, v zviózki vriézivaias.

sível, pois quase sempre surgem questões pessoais, competição, rivalidades. Quanto a nós, houve realmente uma complementariedade operativa, pudemos completar em grupo aquilo que nos faltava indvidualmente. E a amizade pessoal acompanhou de perto este tipo de realização. Depois, Haroldo teve outros calaboradores, ele tinha certamente

Pois bem, na tradução de Haroldo isto aparece assim:

uma predisposição especial para o trabalho em equipe. E foi esse espírito

Você partiu, como se diz, para o outro mundo. Vácuo... Você sobe, entremeado às estrelas.

que o ajudou a realizar, com a colaboração do helenista Trajano Vieira, a tradução da Ilíada. Compreende-se a atração que Maiakóvski exercia sobre Haroldo e seus companheiros de geração. Estávamos em 1961, quando o interesse dos poetas do concretismo paulista pelo construtivismo, pelas manifesta-

Os diversos passos do poema foram analisados por Maiakóvski

ções de um espírito geométrico que aparece na arte moderna em formas

em sua radiografia desse texto, o ensaio “Como fazer versos?”13. Este

as mais variadas, foi acompanhado de uma identificação com as grandes

ensaio permite compreender melhor o trabalho do poeta, mas, ao mesmo

esperanças da esquerda da época. Era o tempo em que Décio Pignatari

tempo, dá ao tradutor uma responsabilidade maior, torna-se imperativo

falava no “pulo conteudístico-semântico-participante” da poesia concreta

conseguir na língua-alvo aquilo que se realizará na língua de partida e

e acrescentava: “A onça vai dar o pulo”12. Este espírito era evidente em

que estava tão claramente exposto pelo artista criador. Foi este o desafio

cada um dos poetas do grupo.

que o tradutor brasileiro aceitou. E depois de aceitar e vencer este desafio, expôs o seu trabalho de poeta no estudo que citei há pouco. Sem

11

CAMPOS.

12

PIGNATARI.

128

A operação do texto, p. 43-44. Situação atual da poesia no Brasil.

Apêndice

13



MAIAKÓVSKI

citado por SCHNAIDERMAN. A poética de Maiakóvski através da sua prosa, p. 167-220.

Haroldo de Campos e a transcriação da Poesia Russa Moderna

129

entrar em maiores detalhes, quero lembrar que aquele trecho do original,

Na minha estada em Moscou em 1972, encontrei-me com uma

“v zviózki vriézivaias”, acrescido ao início forte e ao mesmo tempo em

especialista em literatura latino-americana, que estava empenhada em

tom coloquial, exigia algo correspondente na língua de chegada e que

estimular alguns poetas cubanos a repetir o que Haroldo e Augusto de

sem isto o poema se tornaria frouxo, pode-se dizer invertebrado. E foi o

Campos haviam feito em português, com a minha colaboração. Pois bem,

que Haroldo conseguiu:

os textos que ela me mostrou me pareceram bem fracos e, sobretudo,

Você partiu, como se diz, para o outro mundo. Vácuo... Você sobe, entremeado às estrelas.

muito presos à poética tradicional. Quando observei isto, respondeu-me: “ora, é um problema de língua. O português se presta muito mais que o espanhol para uma transposição criativa”. Francamente, eu não acredito nisso. Há quem diga que a sonoridade do português aproxima-se bastante do russo. Mas, em todos os idioma, é uma questão de encontrar

Lembro-me de que Roman Jakobson e sua mulher, Krystyna

o tom exato para a tradução poética e escolher no repertório da língua

Pomorska, quando estiveram conosco em São Paulo em 1968, falavam

aquilo que nos dá o correspondente ao original que se estiver traduzindo.

do deslumbramento que lhes causara a revelação daquele texto em por-

A partir das traduções de Maiakóvski, estendemos o leque para a

tuguês, e sobretudo a solução “entremeado às estrelas” para “v zviózki

poesia russa moderna em geral. A nossa abordagem dessa poesia tinha

vriézivaias”. Na realidade, Haroldo conseguira fazer o português cantar

como eixo dorsal os textos de Khlébnikov e Maiakóvski, cuja obra corres-

com sotaque russo, a ponto de um russo como Jakobson encontrar no

pondia mais de perto ao que buscávamos. Mas justamente o trabalho com

texto traduzido o som da língua-mãe.

estes dois poetas facilitou a aproximação com outros bem diferentes deles,

Afinidade entre línguas tão diferentes? Sim, não há dúvida, mas

o que permitiu construir uma antologia bastante abrangente. Assim, depois

esta afinidade só pode ser desvendada pelos poetas, e, mesmo não sendo

de Poemas de Maiakóvski15 publicamos a seis mãos Poesia russa moderna16.

religiosos, devemos agradecer aos céus quando isto acontece. Pois o

Trabalhávamos frequentemente num clima de grande entusiasmo.

que mais se encontra é a velha cantilena sobre o intraduzível da poesia.

Muitas soluções eram discutidas pelo telefone, havia uma impregnação

Assim, o norte-americano Samuel Charters num livro sobre Maiakóvski14,

constante pelo trabalho poético. Evidentemente, não dá para acreditar

procura desculpar-se dos parcos resultados com suas traduções, afir-

hoje em dia em inspiração, pelo menos no sentido que os românticos

mando: “...inglês e russo não são línguas compatíveis. Elas têm tão

davam a esse termo. Mas, podemos falar com Jakobson em “configuração

pouco vocabulário e gramática em comum que, se se tenta reproduzir

subliminar em poesia”17.

a rima e o ritmo do russo, o significado é distorcido, e se este é trazido

Isto é, o artista criador aritcula a seu modo as estruturas poéti-

literalmente, perde-se a forma poética”. Ora, acaso o português e o russo

cas de sua língua, e muitas das soluções acabam surgindo inconsciente-

têm maiores afinidades de “vocabulário e gramática”? Parece-me que

mente. E esta “configuração subliminar” opera verdadeiros milagres, algo

não. É tudo um problema de realização poética. Assim, na tradução de

que chega a parecer sobrenatural.

um famoso slogan publicitário de Maiakóvski, Charters escreve, expli-

Como exemplo, pode-se citar um acréscimo de Roman Jakobson à

cativo: “You need no more/than the mosselprom store”. Mas, como soa

edição brasileira de seu estudo referido há pouco, onde ele chama a aten-

direta e incisiva, bem mais próxima do original, a tradução de Haroldo:

ção para o fato de que, na tradução do poema “O grilo” de Klhébnikov,

“O bom? No Mosselprom!” 14

CHARTERS.

130

I love - The story of Vladimir Maiakóvski and Lili Brik.

Apêndice

15

MAIAKÓVSKI.

16

CAMPOS.

17

JAKOBSON. Linguística e comunicação, p. 118-162.



Poemas.

Poesia russa moderna: nova antologia.

Haroldo de Campos e a transcriação da Poesia Russa Moderna

131

Augusto de Campos empregou, nos primeiros versos, os cinco eles do ori-

do universo numa fava”, que aparece na tradução de Haroldo do poema

ginal, sem nenhum conhecimento, por deficiências de comunicação entre

de Pasternak, “Definição de poesia”. Pasternak nos diz ali que a poesia

Brasil e a Rússia, dos comentários que o poeta fizera sobre a importância

está nos objetos, no mundo, e não só nas palavras. Daí, aquele “A dor do

que eles tinham para o arcabouço do texto. Vê-se, pois, que um poeta

universo numa fava”. Mas o referido verso não tem no original a mesma

fala a outro sem necessidade da explicitação que se faz para o leitor.

força e grandeza, está mais ligado ao regional e descritivo; o achado de

No prefácio à segunda edição de Poesia russa moderna, cito o caso de um poemas de Siemión Gudzenko, incluído no livro, e que fora defor-

Haroldo contribuiu para que o conjunto do poema tivesse aquela grandiosidade requintada que é típica de Pasternak.

mado pela censura soviética, mas que Haroldo traduziu suprimindo aquelas deformações, sem saber nada desse problema editorial.

Costuma-se dizer que a língua portuguesa é o “túmulo do pensamento”, o que é verdade, se pensamos nas dificuldades que um texto

Nosso trabalho tinha às vezes muito de júbilo, de epifania.

brasileiro encontra para circular fora do país. Mas o simples fato de estar-

Lembro-me agora da alegria com que Haroldo me telefonou para me

mos aqui, tratando da obra de um poeta brasileiro, mostra que esta ver-

comunicar o final que tinha conseguido para a tradução da “Carta a

dade é bastante relativa, e isto foi reafirmado pelo clima deste nosso

Tatiana Iácovleva” de Maiakóvski, escrito em Paris e dirigido a uma russa

encontro e, particularmente, pelos que me precederam.

emigrada, e que ele concitava a regressar à pátria. O poema é magnífico,

Posso ilustrar este fato com mais um passo de nossa atividade de

certamente um dos mais belos de Maiakóvski, e tem um grand finale,

tradutores. Haroldo esteve na Tchecoslováquia em 1964, pouco antes do

sem o qual todo ele ficaria desequilibrado. Depois de rabiscar inúmeras

golpe de estado no Brasil. Naquele país teve oportunidade de conversar

soluções, Haroldo chegou ao seguinte resultado:

com uma funcionária dos serviços culturais soviéticos, que, a propósito

Você não quer? Hiberne, então, à parte. (No rol dos vilipêndios marquemos: mais um X). De qualquer modo um dia vou tomar-te – sozinha ou com a cidade de Paris.

de poesia de vanguarda, falou-lhe muito de um poeta russo praticamente desconhecido na União Soviética. Tratava-se de Guenádi Aigui, tchuvache de nascimento e que passara a escrever em russo (os tchuvaches são um povo com cerca de um milhão e meio de habitantes, estabelecido na região do Volga). Mas, próximo de Pasternak por ocasião do escândalo do prêmio Nobel, ele não conseguia publicar nada em russo. Os seus versos eram muito conhecidos em tradução na Polônia, Tchecoslováquia,

No texto original, não aparece aquele X, mas se Maiakóvski escre-

Iugoslávia e Hungria, mas em Moscou, onde estava morando, era um

vesse em português e trabalhasse como elementos gráficos, fônicos e

ilustre desconhecido e enfrentava grandes problemas para garantir a

semânticos de nossa língua, certamente haveria de aproveitar aquele X

sobrevivência. Por outro lado, o Ocidente quase não tomara ainda conhe-

tão sonoro e graficamente tão bonito na página.

cimento dele.

Houve ocasiões em que o verso traduzido soava mais forte que o

Indo a Moscou em 1965, não o encontrei, pois estava de férias no

original, mas isto nos parece absolutamente indispensável. Haroldo cos-

interior, mas deixei para ele uma carta em que manifestava interesse por

tumava falar em “lei das compensações em poesia”. Quer dizer, se eu

sua poesia. Em resposta, enviou-me inúmeros materiais e muitos poe-

não consigo reproduzir todos os processos construtivos de um poeta, em

mas seus datilografados. Sua poesia nos impressionou desde o início e

todas as passagens em que eles apareceram, devo acrescentar em outras

ele é o poeta vivo que tem maior espaço em nossa antologia.

passagens procedimentos que são inerentes ao trabalho criador no ori-

Depois disso, enviamos cópias de seus poemas a vários amigos

ginal. Um dos exemplos mais belos de que me lembro é o verso “A dor

na Europa ocidental e, deste modo, certamente contribuímos para a sua

132



Apêndice

Haroldo de Campos e a transcriação da Poesia Russa Moderna

133

divulgação no mundo. Hoje, com a glasnost, ele é um poeta publicamente

provérbios os deixavam simplesmente em êxtase. E a possibilidade de

reconhecido, mas até o prestígio que ele tem em seu país deve muito à

trabalhar com aquelas sentenças como textos poéticos sobrepujava todos

divulgação que se fez dele no ocidente, nos cerca de trinta anos em que

os outros inconvenientes: o professor sem experiência didática, o método

viveu no ostracismo. Uma vida admirável, de fidelidade irrestrita à poe-

tradicional do compêndio, etc.

sia, que chegava quase à auto-imolação. O estético, no caso, aliava-se a uma postura ética inabalável.

Felizmente, aquilo ocorreu antes que os cursos de línguas fossem invadidos pelos métodos audiovisuais, aplicados mecanicamente, de

O interesse apaixonado de Haroldo e Augusto pela poesia de tan-

modo que se tornavam muitas vezes uma versão modernosa e aparente-

tos outros países e, de minha parte, a ocupação com outros setores da

mente mais sofisticada do “ba-be-bi-bo-bu” do começo do século. Assim,

literatura russa, desviaram-nos de um esforço contínuo neste campo. No

quando os alunos reclamavam do uso dos compêndios e exigiam métodos

entanto, os anos que passamos lidando com os textos da poesia russa,

mais modernos, sobretudo em 1968, eu me lembrava sempre com cari-

e também os estudos de língua que Haroldo e Augusto empreenderam

nho daquele compêndio francês, tão antiquado e tão poético, com aquela

comigo, deixaram-me para sempre a mais grata recordação.

recompensa dos provérbios rimados, no final de cada lição.

Por isto mesmo, quero recordar um pouco mais como isto aconte-

A reação de Haroldo e Augusto aos provérbios fez com que eu pro-

ceu a partir de 1961. Augusto, Haroldo e Décio Pignatari foram à minha

curasse outros para enriquecer as aulas, e assim a poesia dos provérbios

casa, apresentados por nosso amigo em comum, Anatol Rosenfeld,

animou os nosso trabalhos com as declinações ou com os terríveis verbos

um nome importante dos nossos estudos literários, que saiu jovem da

de movimento russos. Foi, por exemplo, um dia de glória quando levei à

Alemanha, fugindo do Nazismo e se fez escritor no Brasil. Combinei com

aula o provérbio “Nievino vinó, vinovato pianstvo” (O vinho é inocente,

Haroldo aulas de russo aos sábados. Pouco depois, Augusto de Campos

culpada é a bebedeira), onde vinó designa também aguardente (isto em

matriculava-se no Curso Livre de Russo, de criação então recente na

linguagem popular). Aquela ênfase nos ii marca, está claro, a sonoridade

Universidade de São Paulo, e do qual eu era o único professor.

do dito. E a palavra vinó, contida nas duas palavras contíguas, reconstitui

Meu trabalho didático dirigido aos dois poetas diferenciava-se evi-

a etimologia. Nievíni (inocente) é aquele que não bebeu. Vinováti (cul-

dentemente do usual. No trecho que li no início desta minha palestra,

pado) é quem avançou na bebida. Foram estes trabalhos com os provér-

Haroldo lembra como eram parcos na época os seus conhecimentos de

bios russos que me permitiram apontar, no livro A poética de Maiakóvski

língua russa. E o seu objetivo principal não era chegar a comunicar-se

através de sua prosa, a relação da poesia russa moderna com a tradição

oralmente, mas sim o de estudar os textos poéticos. No processo de

popular. E agora, o trato contínuo com o popular, graças à Jerusa, deu

aprendizagem, ele se dedicava com afinco e sem resistência ao trabalho

mais consistência a estas minhas preocupações.

de memorizar as categorias gramaticais. Tanto Haroldo como Augusto

Enfim, não consigo muito separar poesia e vida. Quanto mais pre-

receberam melhor que os demais alunos aquela carga de banalidades:

sente a poesia, mais rica a vida, E tudo isto, evidentemente, está muito

“João foi à escola, Vera foi ao supermercado”, e assim por diante.

ligado à presença de Haroldo, ao convívio constante com ele, mesmo nas

Depois de algum tempo, percebi o que estava acontecendo. No

ocasiões em que estamos separados pela distância.

final de cada lição, havia um ou dois provébios, e isso tornava para ambos

Extraído de: Revista Estudos Avançados USP, n. 59, set./nov., 2003.

mais suportável toda a carga de sensaboria, pois o provérbio lhes dava a oportunidade de assimilar um fato de linguagem e poesia. Tudo o mais, além do prazer que eles tinham em assimilar as estruturas da língua, era uma espécie de preparação daqueles momentos felizes. Alguns desses 134

Apêndice



Haroldo de Campos e a transcriação da Poesia Russa Moderna

135

Referências: CAMPOS, Augusto; CAMPOS, Haroldo; Schnaiderman, Boris (Org.). Poesia russa moderna: nova

Carta de Marina Tsvetáieva a André Gide sobre a tradução de um poema de Púchkin

antologia. 2. ed. revista e ampliada. Tradução de Augusto de Campos; Haroldo de Campos. Prefácio, resumos biográficos e notas de Boris Schnaiderman. São Paulo: Brasiliense, 1985. CAMPOS, Haroldo de. A operação do texto. São Paulo: Perspectiva, 1976. CHARTERS, Ann e Samuel. I love - The story of Vladimir Maiakóvski and Lili Brik. Nova York: Farra

Straus Giroux, 1979. JAKOBSON, Roman. Linguística e poética. São Paulo: Perspectiva, 1970. MAIAKÓVSKI, Vladímir. Poemas. Tradução e Organização de Augusto de Campos; Haroldo de

Campos; Boris Schnaiderman. 7. ed. São Paulo: Perspectiva, 2006. PIGNATARI. Décio. Situação atual da poesia no Brasil. Revista Invenção, n.1, 1962. SCHNAIDERMAN, Boris. A poética da Maiakóvski através de sua prosa. São Paulo: Perspectiva, 1971.

Senhor André Gide, Quem lhe escreve é um poeta russa, cujas traduções estão em suas mãos. Trabalhei nelas durante seis meses – dois cadernos de rascunho de duzentas páginas cada – e muitos desses poemas chegam a ter até quatorze variantes. O tempo nada significa – claro, mesmo assim, um pouco – pode ser bom para o leitor, mas eu lhe falo como parceira, pois o tempo é o trabalho que lhe dedicamos. O que quis, acima de tudo, foi acompanhar Púchkin o mais de perto possível, não como escrava, o que teria me levado a ficar atrás do texto do poeta. E toda vez que eu queria me escravizar – o poema perdia. Um exemplo entre muitos: – versos, escritos...: Pour ton pays aux belle fables18 Pour les lauriers de ta partie Tu délaissais ce sol fatal Tu t’en allais m’ôtant la vie.19



18

Por teu país de tanta história

Pelos lauréis de teu país Tu te afastavas sem memória E me deixavas a languir. 19

Trata-se de uma recriação da primeira quadra do poema de Púchkin: “ Pelas margens da pátria longínqua/

Abandonaste a terra estranha/ Na triste hora, na hora inesquecível/ Chorei muito diante de ti”. (N.T.)

136

Apêndice

Estrofe 4: Tu me disais: - Demain, mon ange,20 Là-bas, au bout de l’horizon, Sous l’oranger chargé d’oranges Nos cœurs et lèvres se joindront.21

Mas de maneira alguma o acorde amoroso (a união amorosa). Terceiro: o fruto da oliveira é pequeno e compacto, enquanto a laranja é sempre única e dá infinitamente melhor a visão da nostalgia (russo: toská) amorosa.

Tradução literal: Tu me dizias: “Na hora de nosso reencontro – Sob

O senhor me compreende?

um céu eternamente azul – À sombra das oliveiras – os beijos de amor Nós reuniremos, de novo, minha amiga.” Logo, em prosa francesa:

Mais um detalhe: a laranjeira, tal como o limoeiro, não existe numa palavra só em russo:[diz-se] a árvore laranjeira e a árvore limoeiro.

À sombra dos olivais, uniremos uma vez mais, minha amiga, nossos beijos.

Portanto, Púchkin não quis mostrar uma árvore do sul, ver o sul numa árvore; ele não teve escolha, pegou o nome estrangeiro “oliveira” e

Em primeiro lugar, em russo como em francês, unem-se os lábios em um beijo, e não o beijo, uma vez que ele é a união dos lábios.

o transformou na palavra russa “oliva”. Se a laranjeira existisse em russo, ele a teria certamente escolhido.

Portanto, Púchkin, levado pela versificação, toma aqui uma “liber-

Logo:

dade poética” que, como tradutora, tenho pleno direito de não seguir e

Tu me disais: - Demain, cher ange, Là-bas, au bout de l’horizon, Sous l’oranger chargé d’oranges Nos cœur et lévres se joindront.25

mesmo – não tenho direito nenhum de seguir. Segundo: Púchkin fala de oliveiras, coisa que, para alguém do norte significa Grécia e Itália. Mas escrveo em francês, para franceses, e devo levar em conta o fato de que na França oliveira é Provença (veja--se

Meu anjo não está no texto, não no texto de Púchkin, mas é a

“Mireille”! ). O que quero? Dar a imagem do longínquo Meridião, de um

linguagem de uma época, de todos e todas que se amavam: Meu anjo,

meridião estrangeiro. Logo, direi laranjeira e laranja.

inclusive entre mullheres, entre amigos. Meu anjo! Uma palavra sem

22

I Variante:

sexo, uma palavra da alma, pronunciada com certeza pela moça que Púchkin levava consigo para nunca mais revê-la. E mais um pequeno

Tu me disais: sur une rive23 D´azur, au bout de l´horizon Sous l’olivier chrgé d’olives Nos cœurs et lèvres se joindront.

detalhe que talvez faça o Senhor sorrir. Púchkin não era um belo homem. Era, antes, feioso. Baixo, tez escura, olhos claros, traços negroides – vivacidade de macaco – (assim

Mas a oliveira dá a ideia de um outro acorde que não o amoroso: o acorde de amigos, ou o acorde de Deus com o homem, ...até a

SDN.

24

o chamavam os estudantes que o adoravam) – pois bem, André Gide, eu quis que esse querido macaco-negro fosse chamado pela última vez pela minha boca: meu anjo. Lendo as outras traduções estou completamente

20

Tu me dizias – Vamos, meu anjo.

Unir na linha do horizonte

tranquila quanto à liberdade que tomei.

Na laranjeira cheia de frutos

E, agora, um exemplo de minha não liberdade.

Nossos lábios e corações.

“Adeus ao mar”. Estrofe 6:

21

Trata-se de uma recriação da quarta quadra do mesmo poema: “Tu me dizias: ‘No dia do encontro/ sob

um céu eternamente azul/ À sombra dos olivais, os beijos de amor/ De novo, amor, reuniremos.’”(N. T.). 22

Título do poema provençal de Frederic Mistral e da ópera de Gounoud composta a partir dele

23

Tu me dizias: numa beira

Azulada, na linha do horizonte

25

Tu me dizias – Vamos, meu anjo,

Sob as oliveiras carregadas

Unir na linha do horizonte,

Uniremos lábios e corações.

Sob a laranjeira cheia de frutos

24

Sociedade das Nações, precursora da ONU e existente entre as duas guerras.

138

Apêndice

Nossos lábios e corações.

Carta de Marina Tsvetáieva a André Gide sobre a tradução de um poema de Púchkin

139

Que n’ai – je pour tes tempêtes26 Quitter ce bord qui m’est prison! De tout mon cœur te faire fête, En proclamant de crête en crête Ma poétique évasion.

Que n’ ai-je pu pour tes tempêtes29 Quitter ce bord qui m’est prison!

Isso porque: I) atleta cobre tudo, a estrofe inteira – quando a terminamos o atleta ainda salta – meu atleta cobre todo o poeta de Púchkin, meu Púchkin – Púchkin inteiro. Ele, Púchkin – e não tenho o direito.

Tradução literal: Não consegui deixar pra sempre/Esta margem

Tenho de, tive de – engolir.

imóvel e entediante,/felicitar-te com meus entusiasmos/E dirigir por tuas cordilheiras/minha fuga poética. Transcrição primeira e tentadora: Que je n’ ai pu d’un bond d’athlète27 Quitter ce bord qui m’est prison...

Em segundo lugar: esse é um poema romântico, o mais romântico que conheço, é o próprio Romantismo – Mar, Escravidão, Napoleão, Byron, Adoração, e o Romantismo não comporta nem a visão nem a palavra atleta. O Romantismo é principalmente e em todo lugar – Tempestade, tormenta. Logo, renunciemos. (Esta foi uma das renuncias de minha vida de poeta, digo-o em sã

Púchkin era um atleta, de corpo e alma, caminhante, nadador etc.,

consciência, pois tive de renunciar por um outro).

infatigável. (Os que irão levá-lo ao túmulo: ― Eram músculos de atleta, não de poeta.28)

Caro Gide, minha carta ficou longa, eu não a teria escrito a nenhum outro poeta, a não ser ao Senhor.

Ele adorava o efebo. Isso teria sido um traço bibliográfico. Segundo: bond [salto] e bord [margem]. Visão tentadora de um semideus, finamente libertado, deixando a margem num salto, num único

Porque o Senhor ama a Rússia, porque nos conhece um pouco e porque meus poemas já estão em suas mãos, sem que tenha sido eu a colocá-los – pois é um puro hazard30 (que prefiro escrever com z).

salto – que o colocava no meio do mar e da liberdade (O Senhor me compreende, pois pode vê-lo.) Um Púchkin detido por toda a estupidez do destino, do Tsar, do

Para orientá-lo um pouco quanto a minha pessoa: há dez anos – fui amiga de Vera,31 a grande e alegre Vera, na época recém-casada e perfeitamente infeliz.

Norte, do Frio

Sou e permaneço grande amiga do Poeta Boris Pasternak, que me

― libertando-se em um salto.

dedicou seu grande poema “1905”.

E, terceiro (e isso só é terceiro para mim): o som, a assonância das

Não creio que tenhamos outros amigos em comum.

palavras: bond e bord, essa quase-rima. Pois bem, André Gide: resisti à tentação e humildemente quase

Não sou nem branca nem vermelha, não pertenço a nenhum grupo literário; vivo, ajo e trabalho sozinha e para os seres sozinhos.

banalmente:

Sou a última amiga de Rainer Maria Rilke, sua última alegria, sua última Rússia (sua pátria de eleição)... e seu último, derradeiro poema



ELEGIE für Marina

Não consegui por tua tormenta

26

Deixar a margem que é prisão! De coração te fazer mimo E proclamar de cimo em cimo Minha poética evasão. 27

29

Não consegui, por tua tormenta,

30

Em francês, hasard: “acaso”, “azar”. (N.T)

31

Vera Búnin, na época, amiga de Marina Tsvetáieva.

Não consegui, salto de atleta,

Deixar a margem que é prisão... Conforme versão corrente, o duelo em que o poeta perdeu a vida teria sido planejado pela corte.(N.T.)

28

140

Apêndice

Deixar a margem que é prisão!

Carta de Marina Tsvetáieva a André Gide sobre a tradução de um poema de Púchkin

141

que nunca tornei público, pois odeio as coisas públicas. (O mundo – de inúmeras unidades. Sou por cada um e contra todos.)

Aleksandr Púchkin, morto exatamente há cem anos, não poderia ter escrito como Paul Valéry ou Pasternak.

Se o Senhor lê alemão e se for aquele a quem escrevo em toda confiança, eu lhe enviarei essa Elegia – e aí o Senhor me conhecerá melhor.

Torne a dar uma espiada nos seus poetas de 1830 e dê-me notícias. Se eu tivesse feito um Púchkin 1930 o Senhor o teria aceitado, mas eu o teria traído.

(Dados oficiais)

Referência

Por não conhecer o russo, o Senhor só poderá confiar em mim

TSVETÁIEVA, Marina. Vivendo sob o fogo. São Paulo: Martins Fontes, 2008. p. 492-506.

quanto à exatidão do texto naquele idioma; não quero que confie em minha palavra, portanto, eu lhe direi que: O Poeta-Biógrafo-Puchkinista Khodassiévitch (que todos os russos conhecem) e o crítico Weidlé32 garantem a exatidão de minhas traduções. Até mais ver, André Gide, se quiser saber de mim, poeta, informe-se com seus compatriotas – que possivelmente me amam pouco, mas – todos – me estimam. Sabemos o que queremos – e valemos. Saúdo-o fraternalmente. Marina Zvétaiëff P.s.: Não sou mais jovem; tendo começado a escrever muito moça, já faz 25 anos que escrevo, não estou à procura de autógrafos. Aliás, o Senhor pode inclusive não assinar. P.s.: Essas traduções, apresentadas pelo crítico Weidlé ao Senhor Paulhan, redator da NRF, foram por este recusadas por não darem a ideia de um poeta genial e não passarem, em seu conjunto, de um amontoado de lugares-comuns. Se ele tivesse dito isso a mim, eu teria respondido: Senhor Paulhan, aquilo que o Senhor rotula como lugares-comuns são as ideias gerais e os sentimentos da época do 1830 mundial: Byron, Victor Hugo, Heine, Púchkin etc.

32

Vladímir Weidlé, russo que morava e lecionava em Paris, ajudou Marina Tsvetáieva na tentativa de

publicar suas traduções de Púchkin.

142

Apêndice

Carta de Marina Tsvetáieva a André Gide sobre a tradução de um poema de Púchkin

143

Vida-escrita

Aleksander Blok (1880-1921): Criador de uma poesia extremamente musical, marcada por cores e símbolos, Aleksandr Blok é considerado o maior poeta da literatura russa depois de Púchkin. Formado em Letras pela Universidade de Petersburgo, foi lá que ele começou a escrever os seus primeiros poemas. Sua produção é normalmente dividida em três fases. A primeira fase corresponde aos poemas da sua juventude, tendo os experimentos com a musicalidade, a construção de imagens insólitas para os cenários mais prosaicos e a temática da mulher como traços fortes de sua escrita. Nesse período, ele escreve “Stikhi o prekrasnoi Dame” (Versos sobre uma bela dama), que tem como principal inspiração sua esposa Lyubov (Lyuba) Dmitrievna Mendeleeva (filha do famoso químico Mandelev). É dessa época o poema “Fábrica”, que faz parte desta antologia. A segunda fase é marcada pelo conflito entre a visão platônica do ideal de beleza e a realidade das indústrias. Já na terceira fase, os ideais políticos se fazem presentes com um tom messiânico. Influenciado pelas ideias do filósofo Vladimir Solovyov, a poesia de Blok apresenta um conflito entre a esperança e o desespero. Ao fim dessa fase, assim como a crença na Revolução se esvai, ele para de escrever. Em 1921, Blok diz a seu amigo Korney Chukovsky: “Todos os sons cessaram. Você não pode escutar que não há nenhum som por perto?”, e assim justifica o fim da sua escrita. Nesse mesmo ano, ele fica gravemente doente, precisando de ajuda médica do exterior. No entanto, a liberação para a sua partida só é emitda após a intervenção de Górki, um dia antes da sua morte.

Aleksander Púchkin (1799-1838): Maior escritor do apogeu do Idade

literário Taormina, e a Oxford, em 1965, onde recebe um título honorário.

de Ouro da poesia russa, Púchkin foi, ao mesmo tempo, um amante das

É considerada a grande representante do movimento poético neoclássico que

mulheres, das artes e das provocações contra as autoridades do cza-

ficou conhecido com “Acmeísmo”. Sua poesia notabiliza-se pela simplicidade

rismo, o que lhe rendeu exílios e grandes confusões. Sua obra é marcada

e franqueza, e soube expressar, de forma pungente, as tragédias vividas pela

pela influência de Shakespeare, Lord Byron, da língua francesa e do fol-

Rússia ao longo do século XX. Obras: Noite (1912); Rosário (1914); Rebanho

clore russo, material a que teve acesso graças à sua serva e enfermeira,

branco (1917); Tanchagem (1921); Anno Domini MCMXXI (1922); Junco (1924-

pois nessa época a aristocracia russa não só não valorizava o folclore do

1940); Réquiem – um ciclo de poemas (1935-1940); Sétimo livro (1963-1964).

país, como também não falava o idioma russo. Morreu em 1838, em um duelo contra o soldado francês George d’Anthès, na disputa por sua honra

Boris Pasternak (1890-1960): Filho de mãe musicista e pai ilustrador,

e por sua esposa, a pintora russa Natalia Goncharova.

Boris Pasternak estudou música e filosofia antes de optar pela literatura. Para ele, a vida era formada mais pela profunda consonância de amor, fé

Alieksiéi Krutchônikh (1886-1968): Um dos poetas mais radicais do

e destino, em vez das ações dos homens; estas só tinham alguma impor-

cubo-futurismo, estética criada também por Maiakóvski e Klhébnikov,

tância quando exerciam alguma influência sobre o destino de um indiví-

Alieksiei Krutchnikh propôs, em sua poesia, dentre outras coisas, a lin-

duo. Seus poemas, por sua vez, refletem sobre o “significado da vida e o

guagem zaum, ou linguagem transmental, que consistia num projeto dele

mistério da morte” e, por abordar questões existenciais maiores do que as

e de Khlébnikov de construção de vocábulos, com o intuito de alcançar

causas sociais, sua poesia não foi publicada durante muito tempo. Além de

novas experiências sonoras. Além disso, escreveu romances policiais em

grande poeta, Pasternak conseguiu, como tradutor, dar um novo fôlego à

verso e o primeiro livro sobre Maiakóvski.

obra de Shakespeare, Goethe e alguns poetas da Geórgia, o que o protegeu da perseguição pelo governo, como poderia ter acontecido se ele se

Anna Akhmátova (1889-1966): Pseudônimo de Anna Andreevna

dedicasse apenas às suas poesias. Em 1957, no governo de Khrushchev,

Gorenko, filha de um engenheiro naval, nasceu perto de Odessa.

ele escreveu e, com a ajuda de um editor italiano, publicou Doutor Jivago,

Estudou Direito na Universidade de Kiev e Literatura e História em São

que em russo antigo significa “vivo”. Com Doutor Jivago, Pasternak conse-

Petersburgo. Começou a escrever ainda na adolescência, mas, desen-

guiu fama mundial, um prêmio Nobel e provocou a fúria do governo sovi-

corajada pelo pai, que via a carreira artística com desconfiança, assina

ético. Por causa da represália que sofreu pela imprensa, ele renunciou ao

seus primeiros trabalhos com o nome de sua bisavó, Tatar. Casou-se

prêmio. Ainda assim, foi expulso da União dos Escritores e, por recusar o

em 1910 com Nikolai Goumilev. Publica, em 1916, um única obra, Anno

exílio voluntário, foi condenado ao ostracismo. Morreu em 1960.

Domini MCMXXI. Em 1921, seu marido é executado, acusado de atividades anti-sovietes. Também nesse período, sua vida é abalada pela per-

Margarita Aliguer (1915-1972): Proveniente de um família simples,

seguição política a seu filho. Recolhida ao silêncio, exerce intensa ati-

Margarita Aliguer foi operária, enquanto estudava química. Mais tarde,

vidade como tradutora de obras de Victor Hugo e Rabindranath Tagore.

estudou literatura também. Sua poesia foi marcada pelo desenvolvimento

Sua poesia ganha, durante essa fase, forte caráter patriótico. Duramente

de um lirismo discreto para retratar a nova condição da mulher dos anos

criticada, foi impedida de publicar seus versos, que só reaparecem na

30. No entanto, seus versos foram rapidamente ultrapassadeos pela

Imprensaem 1950. Somente em 1953, com a morte de Stálin, é auto-

mudança da política da época, que fez da maternidade o tema da poesia

rizada a fazer umaviagem à Itália, onde é agraciada com o prêmio

e da prosa. Seu poema mais famoso foi “Zóia”.

146



Apêndice

Vida-escrita

147

Marina Tsvetáieva (1892-1941): Detentora de sensações de mundo,

que então ocorriam na poesia russa. É autor de importantes estudos teó-

em vez de concepções, Marina Tsvetáieva foi o tipo de escritora que,

ricos sobre poesia.

como afirmou Tzvetan Todorov, soube “ouvir o mundo e descobrir as frases que permitem aos outros, os seus leitores do dia e de sempre,

Óssip Mandelstam (1891-1938): Um dos líderes do acmeísmo, Óssip

compreender e dar nome a suas próprias experiências”. Poeta do abso-

Mandelstam, filho de comerciantes judeus, desde pequeno manifestava

luto, a intensidade no “viver-escrever” fez com que suas experiências se

grande interesse pela literatura, lendo os clássicos russos, alemães e

transformassem em uma minuciosa escrita de mergulho e de revelação da

os simbolistas franceses após um período na França. Sua poesia, além

universalidade da vivência, de modo a proximá-la de seu leitor. A sua vida

do aspecto acmeísta, também sofre influência dos simbolistas e dos futu-

também está intimamente relacionada com a máquina revolucionária russa.

ristas, principalmente de Khlébnikov, a quem destina texto de admiração.

Filha de uma musicista alemã e de um historiador, logo depois da Revolução

Escreveu ainda ensaios, memórias, prosa e foi tradutor. Por “Epigrama sta-

de Outubro, a vida de Marina Tsvetáieva caminha para um destino difícil

linista”, poema em que manifesta seu posicionamento crítico e contrário à

e trágico. Por falta de condições para alimentar suas filhas, é obrigada a

barbárie stalinista, Mandelstam é preso, mesmo fingindo possuir proble-

deixá-las em um orfanato, onde uma delas morre de inanição. Por causa de

mas mentais, tendo sua pena fixada em três anos de trabalhos força-

seu marido, Serguei Efron, soldado do Exército Branco (a quem promete e

dos. Pouco tempo depois de solto, é novamente preso e, em 1938, morre

dedica devoção incondicional), é forçada a sair do país. Viveu em Praga e

doente, louco e faminto. Como sua obra era pouco numerosa e grande

Paris, mas não se encaixou no grupo dos poetas emigrados, bem como

parte dos originais foram destruídos pelo stalinismo, coube à sua esposa

em nenhuma corrente estética, o que fez da sua sobrevivência um pro-

ser a porta-voz de sua poesia, decorando os poemas e ditando-os a quem

jeto cada vez mais difícil. Publicou com muita dificuldade alguns poe-

saísse da União Soviética para publicá-los. Graças a ela, ainda foi possível

mas, traduziu outros. Além disso, manteve contatos com grandes poetas,

editar dois volumes das obras completas de Óssip Mandelstam. Obras

como Boris Pasternak, Rainer Maria Rilke e André Gide e com alguns

teóricas: ”O crime e o castigo em Bóris Godunóv” (1906); “O Amanhecer

deles criou romances cerebrais, sempre frustrados pela realidade. A ela

do Acmeísmo” (1912-1913); “O interlocutor” (1914); “Pior Tchaadáiev”

são dedicados os poemas “1905”, de Boris Pasternak, e a “Décima ele-

(1914); “Skriábin o Cristianismo” (1915). Obras: Tristia (1922); O ruído do

gia” da Elegia do duíno, de Rainer Maria Rilke. Anos mais tarde, o pai de

tempo (1925); O Selo Egípicio (1928); Viagem à Armênia (1930); Lamark

seus filhos, já espião soviético, envolvido em um escândalo diplomático,

(1932); Sobre a fala alemã (1932).

incentivou os filhos a voltar para a Rússia. Ela, sem querer renunciar o seu papel de mãe e de esposa, acompanhou-os. Essa volta resultou na

Sierguéi Iessiênin (1895-1925): Poeta, filho de camponeses da região

prisão e assassinato de sua filha Alia e de seu esposo. Em 1941, fugitiva

de Riazan, foi criado pelo avô. Estudou em escola rural e frequentou o

em Elábuga com seu filho, Marina se enforcou.

seminário. Mudou-se para Moscou em 1912, trabalhou como tipógrafo e participou de grupos literários. Em 1915, passou a viver em Petrogrado,

Nicolai Assiéiev (1889-1963): Poeta e teórico do cubo-futurismo, inte-

tornando-se discípulo do poeta camponês Kliúiev. Em 1916, é convocado

grou o movimento de que também fez parte Maiakóvski. Nascido na

para o exército, suportando mal o serviço militar. Um ano mais tarde, casa-

região de Kurnsk, estudou em Kurnsk e Moscou. Foi soldado na frente

se com Zinaída Raich. Aderiu à esquerda do Partido Social-Revolucionário,

austríaca durante a Primeira Guerra Mundial. De volta à Moscou, ingres-

e apoiou a Revolução de Outubro. Em 1921, aderiu ao imagismo russo. No

sou na Revista LEF. Influenciada pelas tendências da vanguarda, em par-

mesmo ano, conheceu em Moscou a dançarina norte-americana Isadora

ticular de Khlébnikov, sua poesia mostra-se sempre porosa às mudanças

Duncan, com quem se casou no ano seguitne. Após fazerem longas

148



Apêndice

Vida-escrita

149

viagens pela Europa e América, a união acaba. Iessiênin regressa, então, à

Belas Artes, nomes como David Burlik, Vielemir Khlébnikov e Kamiênski,

Rússia, onde se entrega ao alcoolismo, que o acompanhou por toda a vida.

com os quais funda o movimento cubo-futurista russo. Ativamente enga-

Suicida-se em 1925, num hotel em Leningrado. Sua obra é um testemunho

jado na “esquerda das artes”, Maiakóvski foi um entusiasta do uso da pro-

pungente do mundo surgido com a Revolução e um dos grandes documentos

paganda não só como veículo de divulgação dos ideais comunistas, mas

da poesia russa moderna. O poeta Valdímir Maiakóvski dedica-lhe o poema

da própria poesia. Suicidou-se em 1930, com um tiro no peito, após expe-

“A Sierguéi Iessiênin”, de 1926. Obras: Radunitsa (1916); Inoniya (1918);

rimentar profundo desencanto com os rumos da Revolução e o impasse

Pugachyov (1922); Confessions of a Hooligan (1921).

a que ele levou sua obra. Revolucionário político e artístico, Maiakóvski é uma das referências capitais no panorama da poesia russa moderna, dono

Vielimir Khlébnikov (1895-1922): Um dos maiores poetas russos de

de uma linguagem a um tempo lírica e corrosiva, em seu estilo sempre

sua época, apesar de suas poesias serem pouco conhecidas, Khlébnikov

original e versátil. Influência não menos importante na dramaturgia russa,

era um poeta um tanto peculiar. A sua vontade de escrever poesia anu-

exercitou-se em peças de forte cunho social; escreveu roteiros de cinema

lava a de publicá-las. De acordo com Maiakóvski, o quarto de Khlébnikov

e filmes publicitários. Obra poética: A flauta-vértebra (1915); A nuvem

tinha poucos móveis e muitos papéis com seus escritos. Cabia aos ami-

de calças (1916); O homem (1917); Guerra e paz (1918); 150 milhões

gos a escolha dos textos para a publicação. Outro costume curioso de

(1920); Amo (1922); A propósito disto (1923); Lênin (1925); Muito bem!

Khlébnikov era o de guardar seus escritos em travesseiros quando ia via-

(1927); A plena voz (1930). Teatro: Mistério bufo – retrato heróico, épico

jar, mas sempre esquecia-os em algum lugar. Sua poesia apresenta um

e satírico de nossa época (1921); O percevejo (1928); Os banhos (1929).

intenso trabalho com a linguagem. De acordo com Boris Schnaiderman, Klhébnikov desenvolveu, em termos de linguagem, o que anos mais tarde Joyce, os dadaístas e surrealistas fariam (destaca-se entre esses experimentos a linguagem zaum). Em meio a uma produção tão intensa, está também um vida marcada por dificuldades de sobrevivência, decorrentes da perseguição exercida por Stálin. Khlébnikov serviu no Exército Vermelho, foi preso como espião durante a Guerra Civil, tendo que ficar dois anos num quarto frio sem comida e roupas. Morreu na aldeia de Santalovo, em 1922. Só após sua morte é que sua poesia foi reconhecida, despertando a indignação de escritores como Maiakóvski, que escreveu: “Artigo para os vivos! Pão para os vivos! Papel para os vivos!”. Vladímir Maiakóvski (1893-1930): Considerado uma das maiores vozes da poesia russa moderna, nasceu na aldeia de Bagdádi, nos arredores de Kutaíssi (que hoje leva o nome do poeta), na Geórgia. Após a morte súbita do pai, a família fica na miséria e transfere-se para Moscou, onde Maiakóvski continua seus estudos. Lá ingressa no Partido SocialDemocrático Operário Russo. É detido em duas ocasiões, passando onze meses na prisão entre o período de 1909 e 1910. Conhece, na Escola de 150

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Vida-escrita

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Referências

Vielemir Khlébnikov

Antologias de poesia russa traduzida CAMPOS, Augusto de; CAMPOS, Haroldo de; Schaiderman, Boris (Org.). Poesia russa moderna:

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Americo Lucchesi. Niterói: Cromos, 1993. DICK , André. Klhébnikov: inventor de palavras. Disponível em: http://unisinos.br/blog/

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MAIAKÓVSKI, Vladímir. Poemas. Tradução e Organização de Augusto de Campos; Haroldo de

Campos; Boris Schnaiderman. 7. ed. São Paulo: Perspectiva, 2006.

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Janeiro: Nova Fronteira, 1992.

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Alieksiéi Krutchônikh JANECEK, Gerald. “The Transrational Poetry of Russian Futurism” Disponível em: http://www.thing.

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KELLY, Catriona. Russian Literature: a very short introduction. New York: Oxford University

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Anna Akhmátova AKHMÁTOVA, Anna Andreievna. Poesia 1912-1964. Porto Alegre: L&PM, 2009.

Antologias de poesia russa traduzida

MUSSORGSKY, Modest Petrovich; ROSTROPOVICH, Mstislav; TCHAIKOVSKY, Peter Ilich; PROKOFIEV,

OKUDJAVA, Bulat et al. Poetas russos. Tradução de Manuel de Seabra. Lisboa: Relógio D’água, 1995.

Sergey. Canções e danças da morte. s.l.: Philips; Rio de Janeiro: Companhia Brasileira de Discos [distribuidor], [19-]. 1 disco sonoro

PASTERNAK, Boris et al. Antologia da poesia soviética russa I. Tradução de Manuel de Seabra.

Lisboa: Livros Horizonte, 1983. PASTERNAK, Boris et al. Antologia da poesia soviética russa II. Tradução de Manuel de Seabra.

Marina Tsvietáieva TSVETÁIEVA, Marina. Indícios flutuantes: poemas. Tradução de Aurora Fornoni Bernardini. São

Lisboa: Livros Horizonte, 1995. PASTERNAK, Boris et al. Poesia soviética. Tradução de Lauro Machado Coelho. São Paulo: Algol, 2007.

Paulo: Martins Fontes, 2006. TSVETÁIEVA, Marina. Vivendo sob o fogo. São Paulo: Martins Fontes, 2008.

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Aleksander Blok BERBEROVA, Nina. Aleksandr Blok. Translated by Robyn Marsac. New York: WW Norton, 1996.

Aleksander Púchkin PÚCHKIN, Aleksandr Sergueievich. Eugene Onegin: a novel in verse. Londres: Penguin Books, 1964. PASTERNAK, Boris. La infancia de Liuvers. [s. l]: Ed.Galaxia Gutenberg, [?].

152

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Vladímir Maiakóvski MAIAKÓVSKI, Vladímir. Antologia poética. Tradução de Emilio Guerra. São Paulo: Max Limonad, 1987. MAIAKÓVSKI, Vladímir. Bedbug and selected poetry. Translated by Max Hayward. Bloomington:

Indiana University, 1975. MAIAKÓVSKI, Vladímir. Mayakovsky. [s. l]: Akal Ediciones, 1982. MAIAKÓVSKI, Vladímir. Pleine Voix. Organização de Claude Frioux. Traduction de David Christian.

Paris: Gallimard, 2005. MAIAKÓVSKI, Vladímir. Poemas - 1913-1916. São Paulo: Visor, [?]. MAIAKÓVSKI, Vladímir. Poemas Maiakovski. [s. l.]: Ediciones 29, 1980. MAIAKÓVSKI, Vladímir. Vida e poesia. São Paulo: Martin Claret, 2006.

Outras obras relacionadas ao tema CAMPOS, Haroldo. Poesia de recusa. São Paulo: Perspectiva, 2006. JAKOBSON, Roman. A geração que esbanjou seus poetas. São Paulo: Cosac Naify, 2006. MAIAKÓVSKI, Vladímir. Minha descoberta da América. São Paulo: Martins, 2007. MAIAKÓVSKI, Vladímir. My discovery of America. Translated by Colum Mccann. Londres: Trafalgar

Este livro é resultado de pesquisa realizada

Square, 2005.

por alunos da disciplina Estudos Temáticos

MAIAKÓVSKI, Vladímir. O poeta da revolução. Tradução de Zoia, Prestes. São Paulo: Record, 2008.

de Edição: Edição de Poesia Traduzida,

MAIAKÓVSKI, Vladímir. Night wraps the sky. Translated by Michael ALMEREYDA. Londres: Farrar

ministrada pela Profa. Sônia Queiroz no

Straus & Giro, 2008.

segundo semestre de 2009. Composto

RIPELLINO, A. M. Maiakóvski e o teatro de vanguarda. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 1986.

(Debates 42)

em caracteres Verdana e impresso a laser em papel reciclado 75 g/m2 (miolo). Acabamento em kraft 420 g/m2 (capa) e costura artesanal com cordão encerado.

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As publicações Viva Voz acolhem textos de alunos e professores da Faculdade de Letras, especialmente aqueles produzidos no âmbito das atividades acadêmicas (disciplinas, estudos orientados e monitorias). As edições são elaboradas pelo Laboratório de Edição da FALE/UFMG, constituído por estudantes de Letras –

bolsistas e voluntários – supervisionados por docentes da área de edição.

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