Reconstrução da base do crânio Retalhos livres e indicações das técnicas de reconstrução nos diferentes compartimentos da base do crânio Parte 2

August 16, 2018 | Author: Nathalia Chagas Arruda | Category: N/A
Share Embed Donate


Short Description

1 ARTIGO ORIGINAL Reconstrução da base do crânio Retalhos livres e indicações das t&ea...

Description

ARTIGO ORIGINAL

Reconstrução da base do crânio – Retalhos livres e indicações das técnicas de reconstrução nos diferentes compartimentos da base do crânio – Parte 2

Gustavo Rassier Isolan1 Carlos Correa Chem2 Ronaldo Webster3 Marco Antônio Stefani1,7 Paulo Petry Oppitz4 André Cerutii Franciscato5 Apio Cláudio Martins Antunes1,6

Sinopse Retalhos regionais oferecem tecido vascularizado adequados somente para reconstruir pequenos defeitos da base do crânio anterior e posterior. Nos grandes defeitos e naqueles com exposição dos seios paranasais e faringe, retalhos locais, regionais ou pediculados oriundos do tronco são insuficientes para reconstrução segura, sendo necessários os retalhos livres. Os retalhos livres de músculos retos abdominal e radial do antebraço são os mais comumente usados. Outros retalhos como

Recebido: 04/07/2007; Aprovado 08/08/2007 1 Serviço de Neurologia (Unidade de Neurocirurgia) – Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA). 2 Fundação Faculdade de Ciências Médicas de Porto Alegre (FFFCMPA), Departamento de cirurgia plástica da Complexo Hospitalar Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre. 3 Serviço de Cirurgia Plástica do Complexo Hospitalar Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre. 4 Neurocirurgia do Hospital Cristo Redentor. 5 Serviço de Neurocirurgia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA). 6 Serviço de Neurocirurgia da Faculdade de Medicina, UFRGS, Unidade de Neurocirurgia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA). 7 Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

grande dorsal, escapular e de omento maior também têm suas indicações. Os autores apresentam os resultados de 10 casos nos quais retalhos livres foram realizados. São apresentadas as indicações de reconstrução nos diferentes compartimentos da base do crânio e discutidos seus princípios. Palavras-chave Retalho livre, base do crânio, tumor, reconstrução. Abstract Skull base reconstruction – Free-flaps and indications of reconstruction in the different skull base compartments – Part 2 Local flaps can only provide adequate vascularized tissue to reconstruct small defects of the anterior and posterior cranial fossa. For larger defects and those with exposure of the paranasal sinuses or the pharynx, local, regional or pediculed flaps from the trunk are often insufficient for safe reconstruction and this call for reconstruction with free tissue transfer. The free rectus abdominalis and the radial forearm flaps have traditionally been the most popular. Other flaps like the lattissimus dorsi, scapular and gastro-omental flaps also have their place in special considerations. The author’s present the results of ten cases in which free-flaps were performed. The various microsurgical reconstructive options for the anterior, middle and posterior fossa are described.

ISOLAN GR, CHEM CC, WEBSTER R, STEFANI MA, OPPITZ PP, FRANCISCATO AC, ANTUNES ACM – Reconstrução da base do crânio – Retalhos livres e indicações das técnicas de reconstrução – Parte 2

J Bras Neurocirurg 18(1), 14-20, 2007

15 Key words Free-flap, skull base, tumor, reconstruction.

Introdução Os avanços na cirurgia da base do crânio, nas últimas décadas, podem ser amplamente atribuídos às melhorias no diagnóstico pré-operatório (ressonância nuclear magnética e tomografia de alta resolução), na radiologia intervencionista e nas complexas abordagens à base do crânio, tais como as abordagens transfacial e craniofacial. Hoje em dia, com esses avanços, tumores previamente considerados irressecáveis são rotineiramente operados. As ressecções oncológicas na base do crânio geralmente requerem a realização de reconstruções a posteriori. Com a melhora das imagens e o refinamento das técnicas cirúrgicas houve grande desenvolvimento na microcirurgia reconstrutiva, atendendo à necessidade da correção de vários defeitos pós-ressecção. Retalhos locais, como o músculo temporal e fáscia (pericrânio), descritos na primeira parte deste artigo, podem geralmente fornecer tecido vascularizado para reconstruir pequenos defeitos das fossas anterior e posterior da base do crânio. Entretanto, para defeitos maiores ou naqueles com exposição dos seios paranasais e faringe, os retalhos locais, regionais ou pediculados do tronco são freqüentemente insuficientes para uma reconstrução segura. Retalhos livres para a base do crânio foram descritos primeiramente por McLean e Bunke que utilizaram estes retalhos

vascularizados para reconstruir um grande defeito de escalpo11. Com os avanços nas técnicas microvasculares e na melhora do conhecimento de anatomia vascular, vários retalhos livres foram desenvolvidos. Os mais populares consistem nos retalhos livres do músculo reto abdominal e do radial do antebraço. Para defeitos cranianos mais complexos da base do crânio, outros retalhos, como o que utiliza o músculo grande dorsal ou os músculos escapulares, têm sido utilizados. O objetivo desta segunda parte é apresentar uma série de retalhos livres realizados em pacientes portadores de tumores malignos da base do crânio, bem como revisar criticamente a literatura referente às indicações de reconstrução concernentes a cada andar da base do crânio, e descrever os retalhos livres mais comumente utilizados.

Casuística e métodos Entre 2002 e 2006, dez retalhos livres foram realizados no serviço de cirurgia plástica da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre. Os detalhes da série estão na Tabela 1.

Resultados A veia facial foi a mais utilizada nas anastomoses microvasculares. Não houve perdas de retalho microcirúrgico, fístulas ou infecções. As Figuras 1, 2 e 3 ilustram diferentes casos.

TABELA 1.

Retalhos livres (Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, 2002-2006). Patologia

Acesso cirúrgico

Retalho

Anastomose arterial

Anastomose venosa

Sarcoma

Maxilectomia + BC + etmóide

RMRA

Facial

Jugular anterior

Ca epidermóide

Hemicranioorbital + maxila

RALC

Facial

Tronco tireolinguofacial

Ca epidermóide

Maxilectomia + nariz + BC etmóide

RMRA

Facial

Jugular externa

Ca epidermóide

Orbital ampliadateto da órbita

RMRA

Facial

Tronco tireolinguofacial

Ca epidermóide

Craniofrontal

RMRA

CE

Jugular interna

Ca epidermóide

Craniofrontal

RMRA

CE

Tronco tireolinguofacial

Ca epidermóide

Quadrante facial superior

RALC

Facial

Jugular externa

Sarcoma

Frontalectomia

RALC

Facial

Jugular externa

Sarcoma

Maxilectomia + BC

RALC

Facial

Facial

Sarcoma

Maxilectomia + etmóide

RALC

Facial

Tronco tireolinguofacial

RMRA: retalho baseado no músculo reto abdominal; RALC: retalho anterolateral da coxa; BC: base do crânio; CE: carótida externa. ISOLAN GR, CHEM CC, WEBSTER R, STEFANI MA, OPPITZ PP, FRANCISCATO AC, ANTUNES ACM – Reconstrução da base do crânio – Retalhos livres e indicações das técnicas de reconstrução – Parte 2

J Bras Neurocirurg 18(1), 14-20, 2007

16 Discussão Considerações técnicas e gerais A reconstrução da base do crânio ajuda a obter um fechamento impermeável ao liquor, prevenindo fístulas e infecções ascendentes que possam resultar meningite ou abscessos intracerebrais. A filosofia básica é a de que uma camada de tecido viável deve ser interposta entre o conteúdo intracraniano e qualquer cavidade recoberta por epitélio, tais como a nasofaringe ou os seios paranasais. O uso de tecido vascularizado na obliteração do espaço morto e na reconstrução da base do crânio torna-se ainda mais importante quando é prevista radioterapia pós-operatória sobre o local. Defeitos ósseos devem ser corrigidos sempre que forem criticamente grandes ou trouxerem prejuízo funcional ou anatômico significativos, caso não sejam reparados. Perda de tecido mole deve ser restaurada para fornecer um contorno esteticamente aceitável. Defeitos de pele devem ser corrigidos, preferencialmente com pele semelhante àquela que foi removida. As indicações para reconstrução da base do crânio com retalhos livres são as seguintes: 1. Perda de porções significativas da interface óssea entre os compartimentos intracraniano e extracraniano adjacente; 2. Comunicação do trato sinonasal e da nasofaringe com o espaço intracraniano; 3. Ressecção de estruturas anatômicas adjacentes à base do crânio, como pele da face, escalpo, órbita, maxila, mandíbula e orelha; 4. Tratamento de complicações estabelecidas como cavidades infectadas e fístula liquórica. Além disso, fornecem um excelente suprimento sangüíneo em áreas previamente irradiadas e podem aumentar o potencial para que agentes quimioterápicos alcancem seu alvo. Quando o músculo vascularizado é utilizado, existe teoricamente uma vantagem no que concerne ao efeito antibacteriano. Fatores relacionados ao paciente que devem ser considerados no planejamento das anastomoses microvasculares do retalho são idade, estado clínico geral, perfil citológico sangüíneo com coagulograma e competência do sistema imunológico. Os vasos receptores típicos escolhidos para anastomose microvascular são ramos da artéria carótida externa. Para anastomose venosa, geralmente são utilizadas as veias facial, jugular externa e suas tributárias (na maioria das vezes veia facial posterior). Os vasos temporais superficiais de moderado calibre são selecionados esporadicamente. Como a maioria dos retalhos livres, comumente utilizados para a base do crânio, possuem pedículos longos, os vasos temporais superficiais podem ser evitados, em favor dos vasos mais calibrosos da região cervical. A seleção do retalho livre é geralmente baseada na natureza e no local do defeito, na doença subjacente, na necessidade de volume ou no contorno, na irradiação pré ou pós-operatória, no comprimento do pedículo requerido, na disponibilidade de sítios doadores e nas preferências e habilidades do cirurgião. O

sítio doador ideal deve oferecer quantidade adequada de tecido, ter um pedículo vascular longo com vasos de bom calibre, não causar problema funcional ou cosmético e facilitar que dois times cirúrgicos trabalhem simultaneamente. Os retalhos dos músculos reto abdominal, grande dorsal e radial do antebraço são os mais comumente escolhidos para reconstrução da base do crânio. Outros retalhos utilizados são a porção ântero-lateral do Vastus lateralis, o serrátil anterior, o sistema escapular, o omento e o músculo grácil. Principais retalhos livres na reconstrução da base do crânio

Retalhos livres envolvem a transferência de tecido que inclui o músculo e/ou fáscia e/ou pele, juntamente com sua veia e seu suprimento arterial, anexando esse tecido ao defeito e oferecendo o suprimento sangüíneo através da anastomose vascular. Retalho radial do antebraço Os retalhos radiais do antebraço são baseados na artéria radial e na veia cefálica, que podem ser utilizados para transferência de pele e fáscia a partir do antebraço. Embora uma porção do osso radial possa ser removida juntamente com a fáscia e a pele, normalmente ele é poupado para evitar morbidade significativa no sítio doador4. Isso também é válido para os nervos cutâneos medial e lateral do antebraço19. As vantagens deste retalho incluem um pedículo vascular longo, a facilidade de dissecção e a habilidade em reconstruir defeitos geometricamente complexos da base do crânio. As maiores limitações são a pequena superfície de pele disponível e o volume insuficiente para restaurar defeitos teciduais extensos. Schwartz e col. descreveram uma série de 11 casos de tumores da fossa anterior e média do crânio que foram reconstruídos por retalhos radiais do antebraço e que produziram excelente barreira na profilaxia da fístula liquórica. Eles o descreveram como o retalho ideal quando é necessário pequeno volume de tecido para reconstrução da base do crânio17. Reto abdominal O retalho do reto abdominal é baseado na veia e na artéria epigástrica inferior profunda e pode ser composto apenas pelo músculo, como também por retalho constituído por músculo, fáscia e pele15,18. O retalho de reto abdominal é o mais versátil para a reconstrução das fossas anterior e média da base do crânio. As vantagens desse retalho incluem: 1. Potencial para reconstrução de extenso defeito; 2. Facilidade de retirada do sítio doador; 3. Pedículo vascular grande, longo e constante; 4. Baixa morbidade do sítio doador; e 5. Além de permitir o trabalho simultâneo entre os membros da equipe cirúrgica enquanto a ressecção da base do crânio está sendo completada. As desvantagens incluem um excedente de volume para reconstrução quando o retalho é utilizado em indivíduos obesos. Por causa desse problema, o retalho de reto abdominal utilizado para restaurar a perda

ISOLAN GR, CHEM CC, WEBSTER R, STEFANI MA, OPPITZ PP, FRANCISCATO AC, ANTUNES ACM – Reconstrução da base do crânio – Retalhos livres e indicações das técnicas de reconstrução – Parte 2

J Bras Neurocirurg 18(1), 14-20, 2007

17 de volume é freqüente e unicamente muscular, reservando o enxerto cutâneo, caso haja defeitos de pele. Yamamoto e col. descreveram em sua série que o retalho livre do reto abdominal é a técnica de rotina para reconstrução de cabeça e pescoço, bem como tumores da base de crânio21. Escapular, paraescapular e latissimus dorsi A veia e a artéria subescapulares são ramos do terço médio dos vasos axilares, que se dividem em vasos escapulares circunflexos e vasos toracodorsais. O retalho escapular/paraescapular é baseado na artéria circunflexa escapular e pode ser adquirido tanto como retalho fasciocutâneo da pele escapular/paraescapular quanto retalho osteomiocutâneo, caso a porção lateral do osso escapular seja incluída6,12,13. A maior vantagem do sistema subescapular é a sua versatilidade em reconstruir defeitos complexos e grandes, compostos por perda de osso, tecido mole, pele ou mucosa. A inconveniência deste tipo de retalho deve-se à necessidade de reposicionamento do paciente requerido para a retirada do retalho, disfunção significativa do sítio doador, quando o osso é utilizado, e pedículo vascular relativamente curto, que exige enxerto de veia para atingir os vasos doadores. O retalho do latissimus dorsi é baseado na artéria toracodorsal e pode ser constituído apenas por músculo ou associado à pele. Combinando-se os componentes escapular/paraescapular e latissimus dorsi, origina-se o chamado “mega retalho” axilar. Ele pode ser utilizado para reparar grandes defeitos da cabeça e do pescoço. Vantagens do retalho do latissimus dorsi incluem o potencial para aquisição de grande quantidade de pele, pedículo vascular longo e facilidade de retirada. Desvantagens são a necessidade para reposicionar o retalho e o volume subcutâneo excessivo quando realizado em pacientes obesos. Besteiro e col. descreveram sua experiência em 24 pacientes submetidos à ressecção de tumores que envolviam as fossas anterior, média e posterior com reconstrução imediata com retalhos livres de reto abdominal em 15 pacientes, radial do antebraço em quatro pacientes, latissimus dorsi em três pacientes, omento maior em dois pacientes e escapular em um paciente. Eles descreveram que os retalhos livres, especialmente o retalho de reto abdominal e latissimus dorsi são versáteis e podem ser facilmente posicionados para recobrir inúmeras estruturas ou superfícies anatômicas3. Gastroomental Esses retalhos podem incluir tanto um segmento da mucosa gástrica em combinação com o omento quanto o omento individualmente2,14. Retalhos livres gastroomentais são supridos pela artéria e pela veia gastroepiplóica. Eles possuem inúmeras características que os tornam ideais para reconstrução da base do crânio e podem vir a ser o retalho de escolha no futuro. As vantagens incluem: 1. Um pedículo vascular relativamente longo; 2. Propriedades cicatrizantes excelentes que são particularmente úteis em sítios previamente irradiados; e 3. Habilidade em restaurar volume de tecido mole com gordura omental que tem longa duração e possui características

e conformações que se encaixam extremamente bem em defeitos complexos da base do crânio. A mucosa gástrica é excelente para reconstruir defeitos de mucosas porque fornece uma superfície úmida, lubrificada e não descamativa. As desvantagens são relativamente pequenas e incluem o potencial para complicações da parede ou da cavidade abdominal, a hemorragia tardia pela ulceração da mucosa e o excesso de secreção gástrica. Vasto lateral – retalho livre da porção ântero-lateral da coxa Esses retalhos têm ganho popularidade recentemente entre os cirurgiões que reconstroem a base do crânio em conseqüência de fatores, como facilidade de dissecção, capacidade de obtenção de um pedículo longo com grande quantidade de músculo para preencher o espaço morto, possibilidade de incorporação da pele sobrejacente a partir de um retalho ântero-lateral da coxa e capacidade de dois times de cirurgiões trabalharem concomitantemente, um preparando o retalho e o outro ressecando o tumor. A morbidade do sítio doador com esse retalho é pequena e o suprimento nervoso para o restante do músculo pode ser preservado. Outra vantagem de utilizar o retalho do vasto lateral é que a fáscia lata que o recobre pode ser utilizada como uma camada vascularizada para reparar a dura-máter. O comprimento do pedículo pode ser aumentado conforme a necessidade. Para isso, deve-se retirar o músculo mais distal seguindo o ramo descendente da artéria circunflexa femoral, podendo facilmente ser atingido um comprimento de 20 cm14. Lueg descreveu em sua série 34 casos em que a reconstrução da base do crânio foi feita com retalho ântero-lateral da coxa, como um retalho perfurador. Ele descreveu esse retalho como um “grande irmão” do radial do antebraço, que é mais fino e com maior morbidade10. Apesar de sua versatilidade na reconstrução da base do crânio, os retalhos livres não são isentos de complicações. Entre estas, as principais são perda do retalho por isquemia e necrose, fístula liquórica, meningite ascendente, abscesso epidural, empiema subdural e lesão neurológica resultante da falha do retalho. Reconstrução da fossa anterior da base do crânio Pequenos defeitos durais envolvendo a fossa anterior da base do crânio são reparados com enxerto autólogo de fáscia do pericrânio ou fáscia temporal para criar um fechamento impermeável ao liquor. Na reconstrução da fossa anterior, tecidos moles vascularizados necessitam ser incluídos para selar e separar a dura da cavidade sinonasal e da nasofaringe adjacentes. Dentro deste conceito, os retalhos de pericrânio e gálea aponeurótica são os melhores métodos, sendo amplamente empregados. Uma consideração importante deve ser feita para pacientes que necessitam radioterapia. Nesses pacientes, o risco de necrose do escalpo aumenta, caso o retalho miocutâneo (gálea e músculo frontal) seja utilizado. Nesses casos, o retalho miocutâneo, embora ideal, em virtude da rica vascularização, deve ser evitado, podendo ser substituído por periósteo e fáscia lata. Em nossa

ISOLAN GR, CHEM CC, WEBSTER R, STEFANI MA, OPPITZ PP, FRANCISCATO AC, ANTUNES ACM – Reconstrução da base do crânio – Retalhos livres e indicações das técnicas de reconstrução – Parte 2

J Bras Neurocirurg 18(1), 14-20, 2007

18

A

B

C

FIGURA 1.

Carcinoma de cabeça e pescoço tratado com retalho livre de reto abdominal depois da cirurgia. (A) Aspecto do tumor no pré-operatório; (B) Sítio cirúrgico a ser reconstruído depois da ressecção tumoral; (C) Aspecto final da reconstrução.

A

B

C

D

FIGURA 2.

Sarcoma recidivado de base de crânio reconstruído previamente com retalho de músculo grande dorsal com pedículo externo. Nova invasão de base de crânio e lobo frontal. Ressecção ampliada e reconstrução com retalho ântero-lateral da coxa.

B

D

C

A

E

F FIGURA 3.

Rotação de músculo temporal pediculado para reparo de parede ínfero-medial da órbita e da base do crânio. É necessária a remoção transitória de segmento do arco zigomático para permitir o arco de rotação necessário. ISOLAN GR, CHEM CC, WEBSTER R, STEFANI MA, OPPITZ PP, FRANCISCATO AC, ANTUNES ACM – Reconstrução da base do crânio – Retalhos livres e indicações das técnicas de reconstrução – Parte 2

J Bras Neurocirurg 18(1), 14-20, 2007

19 instituição, suturamos o retalho na margem lateral e profunda dos defeitos ósseos e reforçamos essa sutura com cola de fibrina. Os retalhos de pericrânio e galeopericraniais podem recobrir áreas amplas da fossa anterior e podem alcançar até mesmo a porção posterior do seio esfenóide e o clívus superior. Para essas reconstruções profundas, no entanto, a extensão pode ser aumentada mediante incisão bicoronal mais posterior. Não é possível reconstruir a fossa anterior com retalhos miocutâneos, exceto nos casos em que existam defeitos faciais adjacentes às regiões frontais ou orbitomaxilar. Nos casos altamente complexos, no entanto, retalho livre (radial, reto abdominal ou omental) é a melhor opção para estabelecer barreira tecidual ao longo da base anterior. Esta definição é útil para as seguintes situações: reoperações, nas quais retalhos de gálea e pericrânio foram utilizados previamente; necrose óssea; infecção intracraniana; necessidade de reconstrução da órbita, nariz ou maxila; e fístula liquórica persistente após sucessivas reconstruções. A reconstrução óssea pode ser realizada para maxilectomia ou defeitos orbitais5,7,9. Retalhos escapulares osteomiocutâneos encontram sua melhor indicação nestes casos em virtude de sua versatilidade. Nas abordagens em que o teto da órbita deve ser removido, tais como nos acessos para tumores de órbita ou na abordagem cranioorbitozigomática, este deve ser reconstruído para evitar enoftalmia. No abordagem cranioorbitozigomática, por exemplo, removemos o teto da órbita como peça secundária para posterior inclusão no retalho da craniotomia. O assoalho da linha média da fossa anterior, bem como a lâmina crivosa do osso etmóide, o teto do labirinto etmoidal, o plano esfenoidal e a área esfenoclival não são usualmente substituídos com osso depois de suas remoções. Acreditava-se que a reconstrução óssea era necessária para todos os defeitos da base do crânio, a fim de prevenir herniação cerebral; entretanto, está indicada somente para defeitos extensos. Quando a reconstrução secundária da fossa anterior é necessária, por causa de fístula liquórica, pneumoencéfalo com subseqüente infecção intracraniana ou necrose óssea, retalho livre freqüentemente torna-se necessário7. Reconstrução da fossa média da base do crânio O sistema temporal (muscular, facial ou miofascial) de retalhos é o mais comumente utilizado para reconstruir defeitos da fossa média1,7,16,19. Em casos selecionados, osso da calvária pode ser incluído. O deslocamento do músculo temporal para reconstrução deixa um defeito de contorno estético na fossa temporal que pode ser corrigido com implantes aloplásticos. Retalhos de músculo livre, como o reto abdominal ou o grande dorsal, atrofiam consideravelmente ao longo do tempo, em virtude de denervação1. Em conseqüência, um princípio que deve ser utilizado é o de reconstruir o defeito com um retalho livre com volume suficiente para que permaneça viável quando a atrofia ocorrer. Portanto, requer-se um retalho livre que, a princípio, seja “maior do que o necessário” para fechar o defeito da base do crânio. Entre os retalhos livres, o omento, que é ricamente vascularizado, possui uma versatilidade tridimensional

que o torna o melhor para preencher seguramente os defeitos complexos da base do crânio. Tanto a porção inferior do trapézio quanto o grande dorsal podem ser usados em reconstruções amplas, quando retalhos livres não são factíveis. A porção inferior do trapézio, entretanto, é mais segura e versátil. No entanto, quando uma superfície de mucosa necessita ser reconstruída para prevenir contaminação da dura e da artéria carótida, o retalho livre deve ser utilizado até prova em contrário. Defeitos grandes de mucosa podem ser reconstruídos somente com o uso de retalhos livres. O reto abdominal, embora seja o mais comumente utilizado, possui risco maior de complicações de longo prazo, que podem ocasionar estreitamento da nasofaringe por fibrose e estenose. O retalho gastroomental possui uma probabilidade menor de desencadear estas complicações1,7. Reconstrução da fossa posterior Os tumores da fossa posterior são comumente benignos e são ressecados por abordagens transtemporais ou suboccipital. Nesta última, geralmente a síntese primária da dura-máter é necessária. Nas abordagens transtemporais, por outro lado, torna-se necessário o uso de retalhos pediculados de músculo e fáscias temporais8. A porção posterior do músculo temporal é utilizada para cobrir os defeitos ósseos por causa de mastoidectomia posterior, enquanto a porção anterior é utilizada para cobrir o defeito na região do ápex petroso após petrosectomia anterior. Os carcinomas envolvendo a fossa posterior freqüentemente resultam perda significativa de tecido mole, pele ou até mesmo mucosa respiratória. Nesses casos, o índice de fístula liquórica aumenta, sendo necessários retalhos livres ou retalho miocutâneo do grande dorsal.

Conclusão A primeira parte desse artigo discutiu a anatomia relevante pertinente à reconstrução da base do crânio, bem como os enxertos e retalhos pediculados locais e regionais. A segunda parte abordou os retalhos livres e os paradigmas envolvidos nas indicações das diferentes técnicas de reconstrução utilizadas nas diferentes partes da base do crânio. Os retalhos livres vascularizados trouxeram uma mudança revolucionária na reconstrução de defeitos complexos da base do crânio. Equipe multidisciplinar, envolvendo neurocirurgião, cirurgião plástico, otorrinolaringologista e cirurgião de cabeça e pescoço, é imprescindível nas reconstruções complexas da base do crânio. Embora um profundo conhecimento das várias opções reconstrutivas seja essencial antes de realizar uma reconstrução da base do crânio, um dos aspectos mais importantes é a monitorização rigorosa do período pós-operatório precoce, dando atenção às complicações, como hematoma no sítio cirúrgico e fístula liquórica.

Referências bibliográficas 1. Anand V. Reconstruction in cranial base surgery. In: Al-Mefty O, editor. Surgery of the cranial base. Boston: Kluwer Academic Publishers; 1989. p. 297-314.

ISOLAN GR, CHEM CC, WEBSTER R, STEFANI MA, OPPITZ PP, FRANCISCATO AC, ANTUNES ACM – Reconstrução da base do crânio – Retalhos livres e indicações das técnicas de reconstrução – Parte 2

J Bras Neurocirurg 18(1), 14-20, 2007

20 2. Arnold PG, Irons GB. One-stage reconstruction of massive craniofacial defect with gastroomental free flap. Ann Plast Surg. 1981; 6:26-33. 3. Besteiro JM, Aki FE, Ferreira MC, Medina LR. Free flap reconstruction of tumors involving the cranial base. Microsurgery. 1994; 15 :9-13. 4. Chang TS, Wang W, Hsu CY. The free forearm flap--a report of 25 cases. Ann Acad Med. 1982; 11:236-40. 5. Funk GF, Laurenzo JF, Valentino J, et al. Free-tissue transfer reconstruction of midfacial and cranio-orbital-facial defects. Arch Otolaryngol Head Neck Surg. 1995; 121:293-303. 6. Hamilton SG, Morrison WA. The scapular free flap. Br J Plast Surg. 1982; 35:2-7. 7. Imola M, Sciarretta V, Schramm V. Skull base reconstruction. Curr Opin Otolaryngol Head Neck Surg. 2003; 11:282-90. 8. Krayenbuhl N, Isolan GR, Hafez A, Yasargil MG. The relationship of the fronto-temporal branches of the facial nerve to the fascias of the temporal region: a literature review applied to practical anatomical dissections. Neurosurg Rev. 2007; 30:8-15. 9. Kyutoku S, Tsuji H, Inoue T, et al. Experience with the rectus abdominis myocutaneous flap with vascularized hard tissue for immediate orbitofacial reconstruction. Plast Reconstr Surg. 1999; 103:395-402. 10. Lueg EA. The anterolateral thigh flap: radial forearm’s “big brother” for extensive soft tissue head and neck defects. Arch Otolaryngol Head Neck Surg. 2004; 130 :813-8. 11. McLean DH, Buncke HJ Jr. Autotransplant of omentum to a large scalp defect, with microsurgical revascularization. Br J Plast Surg. 2005; 58:1095-103. 12. Maxwell GP, Stueber K, Hoopes JE. A free latissimus dorsi myocutaneous flap: case report. Plast Reconstr Surg. 1978; 62 :462-6. 13. Nassif TM, Vidal L, Bovet JL, Baudet J. The parascapular flap: a new cutaneous microsurgical free flap. Plast Reconstr Surg. 1982; 69 :591-600.

14. Panje WR, Little AG, Moran WJ, Ferguson MK, Scher N. Immediate free gastro-omental flap reconstruction of the mouth and throat. Ann Otol Rhinol Laryngol. 1987; 96(Pt 1):15-21. 15. Pennington DG, Pelly AD. The rectus abdominis myocutaneous free flap. Br J Plast Surg. 1980; 33:277-82. 16. Rose EH, Norris MS. The versatile temporoparietal fascial flap: adaptability to a variety of composite defects. Plast Reconstr Surg. 1990; 85:224-32. 17. Schwartz MS, Cohen JI, Meltzer T, et al. Use of the radial forearm microvascular free-flap graft for cranial base reconstruction. J Neurosurg. 1999; 90:651-5. 18. Taylor GI, Corlett RJ, Boyd JB. The versatile deep inferior epigastric (inferior rectus abdominis) flap. Br J Plast Surg. 1984; 37:330-50. 19. Urken ML, Weinberg H, Vickery C, Biller HF. The neurofasciocutaneous radial forearm flap in head and neck reconstruction: a preliminary report. Laryngoscope. 1990; 100(2 Pt 1):161-73. 20. Wolff KD, Howaldt HP. Three years of experience with the free vastus lateralis flap: an analysis of 30 consecutive reconstructions in maxillofacial surgery. Ann Plast Surg. 1995; 34:35-42. 21. Yamamoto Y, Nohira K, Minakawa H, et al. “Boomerang” rectus abdominis musculocutaneous free flap in head and neck reconstruction. Ann Plast Surg. 1995; 34:48-55. 22. Yucel A, Yazar S, Aydin Y, et al. Temporalis muscle flap for craniofacial reconstruction alter tumor resection. J Craniofac Surg. 2000; 11:258-64.

Endereço para correspondência:

ISOLAN GR, CHEM CC, WEBSTER R, STEFANI MA, OPPITZ PP, FRANCISCATO AC, ANTUNES ACM – Reconstrução da base do crânio – Retalhos livres e indicações das técnicas de reconstrução – Parte 2

Dr. Gustavo Isolan Rua Ramiro Barcellos, 2171 ap. 31 - Floresta 90035-007 - Porto Alegre - RS e-mail: [email protected]

J Bras Neurocirurg 18(1), 14-20, 2007

View more...

Comments

Copyright � 2017 SILO Inc.