SERÕES GRAMMATICAES 579. graduar-se de doutor; ordenar-se de presbytero; tirar, pôr a

April 21, 2017 | Author: Therezinha Malheiro Santarém | Category: N/A
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SERÕES GRAMMATICAES

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graduar-se de doutor; ordenar-se de presbytero; tirar, pôr a salvo ou em salvo alguma

coisa; pôl-a a bom recato; taxar

alguém dc afhcu; taxar a medicina de fallivel; alcunhar alguém de grosseiro; ter par menoscabo praticar on fazer alguma coisa; ter a vida em inenospreç»; elles o puzeram de imbecil; o terrível mal que intitulam de peste bubonica; havel-a a desaire; capitularam-no

de politico extremado; ter-se em seguro dc alguma

pecha. «E Vasco da G a m a houve por melhor o recollier-se também a seus navios» (Latino Coelho). «Teve por bom partido continuar a sua derrota» (Idem). «Frequentando o sexto anno, graduou-se de doutor-» (Idem). «Vieira enriqueceu a lingua com palavras c modismos (pie João de Barros houvera taxado de contrários a vernaculidade» (Idem). «Nos braços dos amigos a sulco turno a ver-me» (Garrett), et U m juiz prevaricador acredita pôr a salvo sua consciência lavando as mãos» (Mont'Alverne). «De que a maior fortuna nos não pode tirar n salvo sem grande detrimento da fama» (Vieira). A este segundo complemento, a que damos a designação de complemento directo superposto ou attributo do complemento, c h a m a m os grammaticos allemães objectofaditivo, por ser de ordinário o verbo faser' (facere) o typo dos verbos com os quaes st1 dá essa. construcção. Attributo superposto ou secundário. Ha. outrosim, alguns verbos concretos

intransitivos. que, afora o attributo que

implicam c encerram, têm mais u m attributo extrínseco, sendo neste particular semelhantes ao verbo abstracto ser. Taes são os verbosficar,estar, parecer, permanecer, dormir, acordar. cahir, nascer, viver, morrer, existir, e m phrases c o m o as seguintes: Fiqueiattento; estou doente; parece louco; permaneceu firme; nasceu, viveu c morreu pobre', parto contente; sai" satisfeito; durmo tranqui/lo; acordou triste; cahiu doente; chegou são c salvo; entrou risonho. A esses attributos, pedidos pela significação de taes verbos, denominamos superpostos ou secundários:, pela razão de se ajuntarem aos attributos primitivos, implícitos c encerrados

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DA PHRASEOLOGIA OU SYNTAXE

nos m e s m o s verbos concretos, c o m o aos verbos transitivos, de que atraz falíamos, se ligam os complementos ditos superpostos, secundários ou attributos do complemento. Alguns grammaticos, c o m o Mason, denominam esse attributo superposto complemento subjectivo^por analogia ao complemento directo superposto ou attributo do complemento, a que c h a m a m complemento objectivo. Passa o m e s m o c o m certas proposições passivas, e m que sc nota essa dualidade de attributos. Taes são, entre outras, as seguintes: Fui eleito senador; sou chamado Hostilio; foi nomeado professor; é considerado sábio; fez-se pallido de medo; tornou-se macilento; foi proclamado orador. Processo análogo seguiam os Latinos já c o m respeito ao complemento directo, já relativamente ao attributo, a que superpunham u m complemento ou attributo, dizendo: i Idem). Syntaxe análoga á portugueza praticam os francezes após a

expressão un de, un des: Assim que escreve Bescherelle Ainé: «Cest im de mes fils quim'écrit». «Cest une devus tragedies qui a élé represenice». «Charlemagne est un des plus grands róis qui aient régné». « Cest une des plus belles tragedies qui aient été représentées». A concordância em que se põe o verbo no singular explica-se por mera ellipse. A phrase «foi uma de suas acções que mais me maravilhou» resolve-sc na seguinte: «foi unia acção que mais m o maravilhou dentre as suas acções». B e m é de notar que nessas espécies de construcções se erra muitas \C/A->. empregando-se o plural. Assim, nas phrases: «foi um de teusfilhosque jantou liontem commigo»;«é amadas tragedias de Racine que se representará hoje no theatro», será incorrecto o emprego do numero plural: o singular impõe-se imperiosamente pelo sentido do discurso. Enunciando assim o pensamento, intento dizer, na primeira phrase, que não foram iodos os teusfilhosque jantaram c o m m i g o : a acção dejantar affirmo-a tão somente de u m delles. c o m o a acção do verbo representar-se, na segunda, ss' não entende de toda- as tragedias de Racine, senão de unia só, da que se diz ser levada. hoje a scena, -or hoje representada, A l g u m a s vezo- por elegância costumam os nossos clássicos

f)10

DA PHRASEOLOGIA OU SYNTAXE

fazer concordar o verbo, não com a palavra expressa, que apparentcmente figura cie sujeito, mas com o pronome nós elliptico, representando então o substantivo expresso o papel dc apposto: «Vossas senhorias illustrissimas são as fontes donde todos os prelados bebemos» (Souza). «Taes somos ejomos sempre os homens, que só nos lembra quem nos fez bem, emquanto esperamos que nol-o torne a fazer» (Luc). «Todos os jilhos de Adão padecemos nossas mutilações e lealdades» (Vieira). «Os que estamos tão longe e não temos noticia do poder que o inimigo traz por mar» (Idem). « Todos geralmente o adoramos, porque todos nos queremos adorados » ( Bern.). « Eis aqui o que éramos as gentes antes da lei evangélica ter domado nossos corações» (Idem). «Osportuguezes somos do Occidente, Imos buscando as terras do Oriente» (Cam.).

Do mesmo modo disso Tito Livio: «Hoe tibi juventus romana indicimus bellum».

O adjectivo conjunctivo que, em sua forma simples ou impl cito no substantivo quem, o qual por si mesmo não tem numero nem pessoa, por attracção communica ao verbo, de que é sujeito, o numero e a pessoa do pronome a que é correlato: Eu é que falio, tu é que falias, nós é que falíamos, vós é que falt elles é que faliam, eu sou quem sou, eu sou o que sou, eu sou o que digo, elles são os que dizem, sois vós o que dizeis, és t que falias, 'és tu quem te enganas, sois vós quem os animais tu quem me censuras, eu sou quem bem os comprehendo. Esse principio geral c, todavia, sujeito ás seguintes observações: Chiando o sujeito e o attributo ou predicado da proposição que precede ao que não apresentam ao espirito dois seres distinctos, o que, reíerindo-se então ao sujeito dessa proposição, aítrái para o verbo da outra proposição, de que é sujeito, a pessoa do pronome a que é correlato:

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«Eu sou a tpie ando nas mexericadas» (Barros). «Eu sou o que domei os leões e os ursos no deserto» (Vieira). «Fui eu o primeiro que clamei. ..?» (A. Herc). «Fui eu o que nas trevas pirejiarei a discórdia dos homens livres» (A. Herc). « Fui eu o primeiro que fallei» (Idem). «Vós sois os .que esmolais, eu sou a que mendigo» (A. Cast.). «Como quem recebo nellas o alento e alimento de que vivo» (Vieira — Cartas). «Não fui eu quem o privei delia?» (Filinto). «Pomos nos quem afouta e confiadamente o propinemos» (A. Cast.). «Sais vós quem lh'a deveis» (Idem). «Abraoa-me, que/ui eu quem te levei a elle» (Idem). «Sou eu. . . quem lhe sirvo de obstáculo » (Idem). «Fazei dc conta que sois rós quem perguntais» (L. Felippe Leito). « Cu fui quem levei o taboleiro para a antecâmara da moça» (Camillo). «És tu quem tens a culpa de cu viver sempre á sombra e nestas cepas» (F. M. do Nascimento). «Nós fomos quem no berço o embalamos» (Idem). «Ao par amante que innocento vaga Sou eu quem prendo em derretido enleio» (G. Dias). Quando, ao contrario, o sujeito c o attributo da proposição que precede á subordinada formam dois seres separados ou que se consideram taes, o que é então correlato ao attributo e fica na terceira pessoa o verbo da subordinada, dc que é elle sujeito: «Fu sou a que lhe maior bem quer». «Eu sou um estrangeiro que lhe jalia uma linguagem sem significação» (Camillo). «Foras tu quem deteria perecer» (A. Herc). «Sou eu so quem Jaz tudo» (A. Cast.). «Fui eu quem vos inspirou sentimentos dignos dos vossos antepassados» (Lat. Coelho). E bem dc ver que c m todas essas concordâncias é mais rara, posto correcta, a syntaxe e m que, empregando-se o substantivo quem, vai o verbo para a primeira c segunda pessoa, singular ou plural, ou para a terceira do plural, b e m c o m o mais frequente e trilhada, entre os melhores textos de nossa linguagem, a syntaxe e m que sc põe o verbo na primeira c segunda pessoa dc u m ou outro numero, após as expressões o que. a que, os que. as que. Todos esses m o d o s dc construir a phrase sc encontram 78

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DA PHRASEOLOGIA OU SYNTAXE

sanccionados por nossos escriptores de melhor nota, cuja lição, a de mais dos exemplos já citados, nos offerece ainda os seguintes:

« Eu fui o que metti neste segundo perigo o nosso principe »(Vieira). «Eujui aquelle que preguei os primeiros annos do reinado de vossa magestade, eu sou o mesmo que torno a pregar» (Idem). «Eu sou o que me tenho por honrado; eu sou o que me tenho por valoroso ; eu sou o que me prezo de entendido; eu sou o que me prezo de sisudo» (Idem). «Eujui o que desobedeci» (Idem). «Vós sois os que sustentais Cartuxas» (Idem). «Eu sou aquelle que tantas vezes arrisquei a vida por sua coroa» (Idem). «Vós sois os que a todos os verdadeiros christãos ajudais» (Idem). «Eu sou o que lhe hei de metter o ferro pelas entranhas? Eu o que hei de derramar o sangue que m e sahiu das veias"? Eu o que morto com estas mãos o hei de pôr na fogueira? Eu o que com estes olhos o hei de ver arder?» (Idem). «Não sou eu o que o digo» (Idem). «Eu sou o que me perdoo» (Idem). «Não serei eu o que, com menor affecto.e applauso, celebrarei sempre os triumphos de V. S. » (Idem). « Vós sois o que me tirastes por força das entranha de minha mãi» (Idem). «Eu sou aquelle que, partindo desta casa, vos fiz dono delia» (Souza). «Eu sou uma dona que venho aqui» (Barros). «Não sabeis que sou eu o que ensinei a dar benefícios por aggravos?» (M. Bern.). «Eu sou a que mereço ser crucificada por meus delictos, e não vós, meu doce bem» (Idem). «Sou um homem pobre que vivo nestes campos» (Idem). «Nós muitas vezes somos os que tentamos o diabo» (Idem). «Eu sou aquelle Benedicto, só n nome, que, pouco ha, possui o throno» (Idem). «Eu sou o saeristã que, poucas horas ha, sahi de casa e agora torno e tudo acho mudado» (Idem). « Vós sois o que servis» (Idem). « Vós fostes o qu a buscastes e chamastes» (Idem). «Sou, disse, u m escravo por nom Androdo que... fugi para os montes?» (Idem). «Eu sou aquelle desventurado landgrave que algum tempo Jui teu principe» (Idem). «Eu sou o que mando a elle» (Ferreira). «Quem és a que me Jallas?» (B. Ribeiro). «Eu sou aquelle occulto e grande cabo, A quem chamais vós outros Tormentório, Que nunca a Ptolomeo, Pomponio, Estrabo, Plinio e quantos passaram Jui notório» (Cam.).

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«Eu sou o illustre. Oanges que na terra Celeste tenho o berço verdadeiro » (Idem). «Somos uma pobre gente, que apenas conhecemos as nossas necessidades e queremos por mandatário quem também as conheça» (A. Herc). «Não foram elles sós quem vos mataram » (Diogo Bern.). «Lcmbra-me que Jui eu quem na outra casa do Parlamento propuz ipie se puzesse em execução a contribuição de repartição» (Garrett). «F cm nome tal és tu quemjallas?» (Idem). «E és tu o que andas. .. a sustentar essa chymera» (Idem). «Fui eu quem os soceguei» (J. Diniz). «Eu sou quem o conheço, ponjue procedo delle» (R. da Silva). «E pois deste delicto has de ser tu o que me aeeuses?» (Lat. Coelho). «Fomos nós os cpie . . . ministramos o conhecimento de náuticos processos» (Idem). «As plumas são quem dá a insígnia ás aves» (F. M. do Nascimento). «Todas essas qualidades são quem tolhe a imitação de Lafontaine» (Idem ). « Pelo que não sendo só vós quem jiadece» (M. Bern.). «Tujosie, conta a fama, o que, tornado da conquista gangetica e dominio de todo o vasto Oriente, a Jove suiiuim reservaste as primícias do despojo» (A. Cast.). «És tu, matéria, parte vil do meu ser, es tu quem sempre vem contrastar do espirito os arrojos! » (Idem). «Es tu, não eu, quem lhe empeçonha o leite» (Idem). «Não fui eu quem o commetteu» (Idem). «Quando a idade crescesse, eras tu mesmo (Juetn lhe havia ensinar a usar das forças » (Idem). « Eu sou ijiiem ao fugir do ergástulo os teus grilhões quebrou »

(Idem).

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DA PHRASEOLOGIA OU SYNTAXE

«Sou eu quem dá explicação da sua vida aos criados» (Camillo). «Parcce-me até que fui eu quem lhe poz a imaginosa alcunha» (Idem). «Sede vós quem lhe aponte a estrada que conduz ao céu» (A. Herc). «Sede vós quem abra os thesouros da misericórdia divina» (Idem). «Foras tu quem deveria perecer» (Idem). «Eu, o Silencio e a Solidão éramos quem eslava alli» (Idem). «São os reis e seus ministros quem, a foro de consolidar o poder illimitado, antecipam as revoluções» (Lat. Coelho). «Eram os republicanos os mercantes e marítimos da Itália. . . quem nas mais urgentes aperturas ministravam ás dynastias de Capeto e de Valois os baixeis, com que prover suas curtas expedições» (Idem). «Eram elles quem favoreciam em Lisboa a convenção» (Idem). Todos os exemplos aqui apontados em que sc põe o verbo da proposição subordinada na primeira e segunda pessoa, singular ou plural, se explicam pela attracção, modo particular de construir a phrase e m que, sem necessidade grammatical, é u m a palavra attrahida á mesma forma que outra, ou lhe usurpa as relações syntacticas, unicamente pela conformidade das ideias que ambas representam e significam e pela subordinação lógica, nem sempre justificada pela grammatica, dc uma em relação á outra. Não é só em nossa lingua que se notam essas espécies de construcções, onde as palavras seguem mais a correnteza lógica das ideias, que as leis artificiaes da grammatica. Exemplos análogos deparà-nos a lição dos escriptores francezes, inglezes c principalmente latinos; do que nos dão testemunho os seguintes excerptos:

«Je suis une jeune veuve qui ai besoin diai mari» (Volt.). «Je suis tente de croire que vous étes Minerve, qui êtes veniie, sous figure dhomme, instruire sa ville» (Fénel). «The opinion oj sev eminent lawtjers were in his javour» (Apud Sweet). «IJ thou bees he who. . . didst out shine myriads» (Milt). «Thou art the God tha doest wonders» (Idem). «Corioli oppidttm caj)tum est» (Tit. Liv. « Volsinii, ojipidum oj)tdentissimum, conerematum est Jttlmine» «íta, quod unum vineulum cum Romanis societatis erat, Thraso sublato e medio, extemiúo haud duble ad dejectionem res specta

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(Tilem). «Animal quem vocamus hominem» (Cie). «Arou omnis error siulntia est dicenda» (Idem). «Est in cárcere loeus quod Tullianum (ipptdlaturD (Sall.). «(por (ein vez de quod) ofiud cílios iracundia dicitur, ea in império superbia ajwellatur» (Idem). «Ille ego qui quondam gracili modulatus avena Cármen, et, egressus silvis, vicina coegi» (Virg.). A lição de Castilho António c dc outros mestres dos mais apontados no escrever fornece-nos não raros exemplos dessas e dc outras construcções syntacticas, a que chamam alguns anti-grummaticaes, taes as que sc notam nos seguintes lanços: «Isto de meninas novas sempre la têm os seus segredinhos, que não São para todos» (Cast.) «Isto das damas, e m matéria de gosto, são singulares» (Arte de Amar). «Isto dos ricos andam neste mundo com es olhos, que não sabem n e m se lembram senão dê si» (A. Cast.). «Isto de mulheres são muito tinas» (Idem). «Isto dos livros 11Ai> não senão uns retratos mortos» (Idem) «Isto de unhas silo como enxertos de mato bravo» (Arte de Furtar). «Isto, porém, tle leitores methodicos, a m e u juízo não apontam a sua superciliosa censura a poemas» (Camillo). Diverso modo, porém, de compor a oração encontra-se noutros lugares dos mesmos escriptores; tal é o observado nos seguintes exemplos, cm que sc segue a syntaxe ordinária: «Isto de balanças deve andar sempre muito vigiado » (Arte de Furtar). «Isto tias leis anda sempre a mudar» (A. Cast.). «Isto de campos depressa m e enfastia» (Idem). Por attracção também é que sc explica a seguinte syntaxe de Garrett, e m seus Discursos Parlamentares

:

«Nilo a tiro i a conclusão) por certo, não a tua esta Camará, nilo a /iodemos tirar nenhum tle nos. que nada somos, nada podemos ser fora do principio, pelo qual eivemos e somos».

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DA PHRASEOLOGIA OU SYNTAXE

0 verbo parecer pode, em alguns casos, ser' empregado já pessoal, já impessoalmente e não c idêntica sua syntaxe, quando usado d u m ou do outro modo. Assim se diz parecem querer ou parece quererem ou ainda parece que querem ; «É nesta nova romaria que os perigos e trabalhos parece andarem á porfia» (Lat. Coelho). «Os carmes do poeta parecem altear-se mais sonoros» (Idem). «Também tu parece que queres que dentem» (D. F. M . de Mello). «Aquelles que parece estarem mais alagados nas doces aguas de seu amor» (Frei Thomé de Jesus). «Os mares pareciam naquella hora recordar-se ainda do rugido harmonioso do estio» (A. Herc). «O mar andava em serras e montes, e com tal braveza vinha quebrar-se em terra, que parecia quererem mar e vento sovertel-a» (Souza).

Na expressão verbal composta quer-me parecer guardam sempre o caracter de impessoalidade o verbo regente e o regido, que se liga aquelle c com elle se funde para exprimir u m só e mesmo conceito: Quer-me parecer que não serão bem suecedidos; quer-me parecer que não o conseguirás. E m algumas proposições' ou phrases construídas com o verbo ser em quefigurade attributo u m nome do singular ou plural com sujeito dc numero differente, não exprimindo pessoa, é de corrente meneio entre os nossos melhores escriptores pôr o verbo no numero correspondente ao do attributo, quando nesta palavra é que se fixa a attenção do escriptor. E u m a concordância lógica, imposta ao espirito pelo predomínio e realce da ideia indicada pelo attributo. Taes são as phrases seguintes: Tudo são fores; tudo são fogos e festas ; tudo são danças, folgares e bonachira. «Se, pois, a luz que ha em ti são trevas, que grandes foram essas mesmas trevas!» (Padre A. Pereira). Tudo eram armas de Jogo» (J. Freire). «A primeira maravilha... Joram as ptjramides do Egypto» (Vieira). «Gastava em cada ceia com seus convidados mil j)hilippéus, que era um dobrão de ouro que bateu Philippe» (M. Bern). «Daquelle dia que eram 3 de Fevereiro» (Souza),

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a Tudo isto eram germes de belleza» (A. Cast.). «Os Lusíadas, e m spíi' Luiz de C a m õ e s cantou as glorias portuguezas, é a nossa epopéa nacional» (Lat. Coelho). «Tudo eram telas, velludos, brocados, setins recamados, cadeias de ouro, collares de pedrarias, trancelins de j>erolas, diamantes, rubins, esmeraldas, saphiras, medalhas, plumas, martinetes, que admiravam os castelhanos» (Torres da Silva). «E... lho puzeram diante tudo o que havia em casa, que eram uns ovos e hervas da horta e algiima jruta do tempo» (Souza).

Disse, porém, R. Lobo: « O maior trabalho que tenho é os pastores com quem trato»,

fazendo a concordância ordinária. D a m e s m a syntaxe usou A. Castilho no seguinte verso das Georgicas: «Redobra a ventania; a chuva é eataractas. » Sc a ideia exprimida pelo attributo nada tem que a releve o torne predominante no espirito, é com o sujeito que se faz a concordância, c o m o se colhe do seguinte passo do A. Garrett: «Justiça é tudo, justiça é as virtudes todas, justiça é religião, justiça é caridade, justiça é sociabilidade, é respeito ás leis, é leal dade, é honra, é tudo emfim » ;

onde é evidente intuito do escriptor tornar patente pela concordância o relevo com que so lhe avulta ao espirito a ideia exprimida pelo vocábulo justiça, que c aqui manifestamente a predominante c cuja força elle mais e mais encarece, repetindo o signal que serve para a exprimir na linguagem. Quando o sujeito representa n o m e de pessoa, é igualmente com elle que se faz sempre a concordância: Tito era as delicias de Roma; minha filha é as meninas de meus olhos. Tomando-sc por sujeito o complemento do verbo, diz-se erradamente: que fim levou aquelles homens? que fim levou aquelles projectos? c m lugar de que fim levaram aquelles homens? que fim levaram aquelles projectos?

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DA PHRASEOLOGIA OU SYNTAXE

Nessas phrases o verbo levar significa soffrer, ter; temo m e s m o sentido que na expressão levar caminho. Diz-se exactamente na m e s m a accepção: o livro levou caminho, o livro levoufim:o vocábulo fim não é sujeito, senão complemento ou regime nas duas proposições acima apontadas. Nas expressões — deram duas horas, deram nove horas, deu meio dia, deu uma hora, deu meia noite, o verbo dar significa soar; o sujeito, em taes casos, não c, como geralmente so procura inculcar, o vocábulo relógio ou relógios que dizem se subentende; é sim a expressão duas horas, nove horas, meio dia, meia noite, etc. Não nos parece, portanto, correcto dizer: deu duas horas., deu quatro horas, deu nove horas; se o sujeito, nestes casos, relógio ou relógios, conforme se emprega o verbo no singula ou plural, como doutrinam alguns, porque sc não diz em portuguez, com a pretensa ellipse, deram meio dia, deram uma hora, deram meia noite? Pode-se, é certo, empregar neste ultimo caso o verbo no plural, mas ficando expresso o sujeito: Os relógios deram meia noite, as igrejas deram meio dia, os relógios pouco ha de uma hora; mas em todo o caso nestas locuções é sempre o verbo dar empregado no sentido de soar com seu sujeito claro, ou seja usado transitiva ou intransitivamente, o que c de uso mais geral nesses modos de dizer. Neste ponto, pois, julgamos que a opinião de Constâncio prevalece à de Moraes. Sempre assim foi que se exprimiram os ciosos da boa linguagem, como nol'o altestam os seguintes passos: «Deram nove horas na igreja do Loreto» (R. da Silva). «Oito horas! deram agora oito horas» (L. Philippe Leite).

Depois das expressões mais de um, mais de uma, mais que ou mais do que um, mais que uma ou mais do que uma, empregadas como sujeitos, vai para o singular o verbo que lhes é correlato: Mais de um homsm foi victima daquelle assassino; mais dc uma pessoa me asseverou esta noticia.

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«Mais de um taxara o seu arrojo de temerário» (A. Cast.). «Mais de um gastrónomo comeu das suas queijadas» (Idem). «Mais de um leitor teve a extraordinária paciência de a ler folha a folha, linha a linha» (Cândido de Figueiredo). «Mais de um de meusjuturos leitores m e perguntou se a obra seria precedida de algumas noções grammaticaes» (Idem). «Na poderosa Gran-Bretanha, Chaterton acaba desesperado, e mais de um ingenho notável para se finar jejuando os loiros, calleja em rudes profissões a mão que sustenta u m a lyra» (Mendes Leal Júnior). «Mais do que um decennio decorreu antes que os soldados francezes do 1." Napoleão expiassem nos desastres da Península as ephemeras victorias dos seus antecessores» (Lat. Coelho). «Mais de um réu obteve a liberdade a troco de peitas» (A. Herc). Sem embargo, disse Castilho António: «E um bello e nobre exemplo em que mais de um escriptor europeu bem poderiam aprender» (Vivos e Mortos). Sc é intenção do escriptor intimar uma idéa de reciprocidade, vai para o plural o verbo que (em por sujeito a locução mais de um: O governo nomeou mais de um oficial, que sc substituíam; mais de um se esbojetearam. «Mais de um politico de princípios adversos deram-se as mãos naquella crise medonha do paiz» «Mais de um tutor para se substituírem» (Código Civil Port.j. Se a expressão mais de um é repetida ou se é seguida do u m collectivo, acompanhado de complemento do plural, c ao plural que recorrem os nossos bons escriptores: «Mais de um official, mais de um general, foram mortos nesta batalha». «E destes doutores ha mais de um mil/tão, que cursam as cathedras e escolas de Mercúrio e Caco» (Arte de Furtar), «dtais de um milhão de cruzados foram illcgalissimamente desviados das arcas do thesouro» (Lat. Coelho). É muito commum em nossa lingua o emprego do verbo haver, na terceira pessoa do singular, com u m sujeito elliptico e complemento sempre claro: Ha pessoas muito illustradas; 79

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DA PHRASEOLOGIA OU SYNTAXE

ha livros muito úteis; ha homens muito malvados; havia muitos livros na bibliothéca; havia muitos fructos no pomar.

«Ha

muitos homens infelizes; completamente felizes não os ha.» «Se não houvesse ingratidões, como haveria finezas?» (Bern.). « E m maus caminhos ha maus encontros» (Idem). «Dizei-lhe que também dos Portuguezes Alguns traidores houve algumas vezes» (Cam.). O verbo haver, e m taes casos, sempre se põe no singular, subentendendo-se-lhe para sujeito u m substantivo adaptado ao sentido. A s phrases ha pessoas, ha livros, havia fructos querem dizer o seguinte: o mundo, a sociedade, a humanidade é, tem pessoas; o mundo, a cidade, a sciencia, a

ha, isto

humanidade

ha, isto é, tem livros; a quinta, a fazenda, a herdade, o pomar, a chácara havia, isto é, tinha etc. Confundindo o regime ou complemento directo do verbo c o m o seu sujeito, diz o vulgo erradamente: haviam muitas pessoas; houveram

muitas mortes, houveram

muitos jogos e

divertimentos, etc. 0

verbo haver aqui não tem a significação de existir;

m a s significa ter, possuir; é u m

verbo transitivo directo; a

phrase e m que figura torna-se regularissima, restabelecido na ordem grammatical o sujeito, que a lingua habitual e idiomaticamente supprime. Diz-se outrosim: pode haver homens

e não podem

haver

homens; costuma haver e não costumam haver; deixa de haver e não deixam de haver; deve de haver e não devem de haver; repugna haver e não repugnam começaram

haver; começou a haver e não

a haver; cumpria haver e não cumpriam

haver;

havia de haver e não haviam de haver; acontecia haver e não aconteciam haver: «Desenganem-se os idolatras do tempo passado, que também no presente pode haver homens tão grandes, como os que já foram, e ainda maiores» (Vieira). «Bem pode haver mentiras veniaes»

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(Idem). «Então comvosco também, senhores meus, pode haver pactos?» (Cast.— Faust.). «Costuma nisto haver alguns perigos» (Bernardes — Luz e Calor). «Deve de haver mais de dez mil estudantes» (Fernão M. Pinto). « N u m a lingua deve haver pai de diversas ordens» (A. das Neves Pereira). «Começou a haver doenças de má qualidade e princípios de peste» (Souza — Annaes). t, Cumpria de haver pessoas que soubessem das condições dos povos» (Lião — Chron. d'el-rei I). Fernando). «Havia de haver lagrimas no mundo ?» (Vieira — Sermões). « N e m por isso deixa dt- haver outros meios custosos de advertir» (Idem). "Se de \)ew< pudera Itaier ciúmes» (Idem).

«Repugna haver em uma alma no mesmo tempo duas consolações contrarias» (II. Pinto). «F acontecia muitas vezes haver numa mesma igreja/>ais, filhos e netos todos sacerdotes» (Couto—Dec.). Dc modo análogo, emprega nossa lingua, cm alguns modos de dizer, o verbo fazer, dizendo: faz hoje três semanas; faz amanhã

trinta dias que estou doente; ha de fazer agora

uns dois annos que elle jantou comigo: faz neste me; seis annos que lhe morreram

pai e mãi:

« Vai Jazer cinco annos que elle se doutorou; deve fazer t/e: annos que elle saiu mal ferido do combate». « Faz quarenta dias que estou de cama» (Vieira). «F hoje Jaz cinco annos que foi recebido nesta e começou a reinar l). João o quarto» (Idem). « Tresannos Jaz agora que eu recebi uma carta sua» (Bern.). 11 Faz agora três annos e um dia» (Herc. l. «Faz annos, me di/. elle, que na Lybia César calcou aos pés as armas pérfidas Do façanhoso Juba...» (A. Cast.).

agora vinte annos que alli se inaugurou a perfectibilidad íyrica o Camillo).

«'/''(Í:

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BA PHRASEOLOGIA OU SYNTAXE

Afastando-se da syntaxe, invariavelmente seguida pelos nossos clássicos, disse João Lisboa:

«Fazem agora justamente dez annos»; «ainda não Jazem quat annos que a guerra civil assolou um dos pontos mais importantes do império». Tal syntaxe, porem, não encontra a sancção dos modelos de nossa linguagem. Não são, logo, para imitar exemplos quaes os seguintes, que sõ de raro em raro acertamos de encontrar entre os nossos bons modelos: «Confesso que em todos os tempos houveram semi-philosophos» (J. A. Macedo). «Pois que houveram varões dotados de tão alta fantasia» (F. D. Gomes). «E porque nestes joguetes houvessem risotas» (Leonel da Costa). «Quero dar que cm francez hajam formosas expressões, curtas phrases elegantes » (Filinto Elisio — Obras). «Começaram a haver alguns arrujos» (Diogo de Couto). «Começaram a haver muitas differenças» (Lião—Chron. d'el rei D. Afonso 5.) «Na questão assim apresentada não podem haver bancos ministeriaes nem de opposição» (Garrett— Dise. Pari.). «Eu que acho ridiculo que hajam tantos nomes para u m só individuo, apeei o gato dessa fanfarrice» (F. Elisio).

Seguindo syntaxe análoga á do verbo haver e fazer, assim empregados, diz-se em portuguez: vai para dois mezes, vai por dois mezes, vai em dois mezes que morreu meu irmão, subentendendo-se para sujeito da proposição o vocábulo tempo ou outra palavra análoga, ficando a phrase assim grammaticalmente constituída: o tempo decorrido desde que ou depois que meu irmão morreu vai para dois mezes, por dois mezes ou em dois mezes; mas não sc diz: vão por dois mezes, em dois mezes, ou para dois mezes. Levando-se, porem, o verbo ao plural, diz-se : fá lá vão doze annos que elle clesappareceu; lá vão quatro mezes que o vi; já lá vão cinco ânuos que elle partiu para a Europa.

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